Questão 68 Comentada - Defensoria Pública do Estado do Amapá (DPE-AP) - Defensor Público - FCC (2018)

Ricardo viveu em união estável com Viviane, com quem teve quatro filhos, Bruno, Cleber, Daiane e Flávia. Durante a união, que perdurou por 35 anos, até a morte de Ricardo, Viviane se dedicava aos cuidados da casa e dos filhos, enquanto Ricardo trabalhava como motorista. Antes da união estável, Ricardo havia adquirido um pequeno terreno em área rural. Na constância do relacionamento, adquiriram a casa em que a família morava e um automóvel. Com a morte de Ricardo, foi aberto inventário e a família procura a Defensoria Pública para obter orientação quanto à forma correta a ser realizada a partilha. Ricardo faleceu ab intestatio e não tinha pacto de convivência com Viviane. Diante desta situação e, em conformidade com o entendimento dos Tribunais Superiores, o Defensor deverá apresentar orientação esclarecendo que, em relação aos bens adquiridos na constância da união estável (casa e veículo), Viviane

  • A tem direito à meação em relação a todos os bens a serem inventariados, mas não concorrerá com os descendentes em relação à herança, de modo que metade dos bens deixados por Ricardo serão destinados a Viviane, e a outra metade, aos descendentes, em partes iguais.
  • B não tem direito à meação por não ter contribuído financeiramente para a aquisição dos bens, mas concorrerá com os filhos em relação a todos os bens da herança de Ricardo, sendo-lhe reservado o quinhão mínimo de um quarto da herança, enquanto que os outros três quartos serão divididos pelos descendentes em partes iguais.
  • C tem direito à meação, mesmo não tendo contribuído financeiramente para a sua aquisição, ao passo que a outra metade será dividida exclusivamente pelos filhos (um quarto para cada); já quanto ao terreno adquirido antes da união estável, haverá concorrência de Viviane com os descendentes do autor da herança, sendo reservado a Viviane um quarto, enquanto os outros três quartos serão divididos pelos descendentes em partes iguais.
  • D tem direito à meação, mesmo não tendo contribuído financeiramente para a sua aquisição, ao passo que a outra metade será dividida exclusivamente pelos filhos (um quarto para cada); já quanto ao terreno adquirido antes da união estável, haverá concorrência de Viviane com os descendentes do autor da herança, sendo a divisão por cabeça e em partes iguais.
  • E tem direito à meação em relação a todos os bens a serem inventariados e ainda concorrerá com os descendentes em relação à outra metade (herança), de modo que Viviane terá direito à metade de todos os bens deixados por Ricardo, ao passo que a outra metade deve ser dividida na seguinte proporção: um quarto para Viviane, e os outros três quartos serão divididos pelos descendentes, em partes iguais.

Gabarito comentado da Questão 68 - Defensoria Pública do Estado do Amapá (DPE-AP) - Defensor Público - FCC (2018)

Em relação ao regime de bens, aplica-se a união estável as regras de comunhão parcial de bens. Entretanto, o CC/02 tratou de forma diversa a sucessão do companheiro da sucessão do cônjuge. A sucessão do companheiro está prevista no artigo 1.790.

Porém, no julgamento dos REs 646721 e 878694, o STF decidiu que não existe elemento de discriminação que justifique o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro estabelecido pelo CC, estendendo esses efeitos independentemente de orientação sexual. Segundo a decisão, quando o CC desigualou o casamento e as uniões estáveis, promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a CF não admite. O artigo 1.790 do CC pode ser considerado inconstitucional porque viola princípios como igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso. Para fim de repercussão geral, foi aprovada a seguinte tese:

No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.

Dessa forma, mesmo no caso de união estável, para fins de sucessão, a regra será a prevista no artigo 1.829 do C.C.

Em relação aos bens adquiridos na constância da união estável (casa e veículo) ela será meeira e não irá concorrer com os descendentes. A meação do de cujus não faz parte do acervo hereditário do cônjuge supérstite.

O terreno adquirido antes da união estável era bem particular de Ricardo. Após o falecimento do companheiro, Viviane terá direito a herança sobre o terreno, concorrendo com os descendentes. O quinhão hereditário será repartido entre eles, sendo garantido a Viviane, quota não inferior à quarta parte do bem, conforme previsto no artigo 1.832 do C.C.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.