Questão 3 Comentada - Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região - Rio de Janeiro - Analista Judiciário - Engenharia Civil - AOCP (2018)

                                          Texto I


                    Os medos que o poder transforma em

                        mercadoria política e comercial

                                                                                    Zygmunt Bauman


      O medo faz parte da condição humana. Poderíamos até conseguir eliminar uma por uma a maioria das ameaças que geram medo (era justamente para isto que servia, segundo Freud, a civilização como uma organização das coisas humanas: para limitar ou para eliminar totalmente as ameaças devidas à casualidade da Natureza, à fraqueza física e à inimizade do próximo): mas, pelo menos até agora, as nossas capacidades estão bem longe de apagar a “mãe de todos os medos”, o “medo dos medos”, aquele medo ancestral que decorre da consciência da nossa mortalidade e da impossibilidade de fugir da morte.

      Embora hoje vivamos imersos em uma “cultura do medo”, a nossa consciência de que a morte é inevitável é o principal motivo pelo qual existe a cultura, primeira fonte e motor de cada e toda cultura. Pode-se até conceber a cultura como esforço constante, perenemente incompleto e, em princípio, interminável para tornar vivível uma vida mortal. Ou pode-se dar mais um passo: é a nossa consciência de ser mortais e, portanto, o nosso perene medo de morrer que nos tornam humanos e que tornam humano o nosso modo de ser-no-mundo.

      A cultura é o sedimento da tentativa incessante de tornar possível viver com a consciência da mortalidade. E se, por puro acaso, nos tornássemos imortais, como às vezes (estupidamente) sonhamos, a cultura pararia de repente [...].

      Foi precisamente a consciência de ter que morrer, da inevitável brevidade do tempo, da possibilidade de que os projetos fiquem incompletos que impulsionou os homens a agir e a imaginação humana a alçar voo. Foi essa consciência que tornou necessária a criação cultural e que transformou os seres humanos em criaturas culturais. Desde o seu início e ao longo de toda a sua longa história, o motor da cultura foi a necessidade de preencher o abismo que separa o transitório do eterno, o finito do infinito, a vida mortal da imortal; o impulso para construir uma ponte para passar de um lado para outro do precipício; o instinto de permitir que nós, mortais, tenhamos incidência sobre a eternidade, deixando nela um sinal imortal da nossa passagem, embora fugaz.

      Tudo isso, naturalmente, não significa que as fontes do medo, o lugar que ele ocupa na existência e o ponto focal das reações que ele evoca sejam imutáveis. Ao contrário, todo tipo de sociedade e toda época histórica têm os seus próprios medos, específicos desse tempo e dessa sociedade. Se é incauto divertir-se com a possibilidade de um mundo alternativo “sem medo”, em vez disso, descrever com precisão os traços distintivos do medo na nossa época e na nossa sociedade é condição indispensável para a clareza dos fins e para o realismo das propostas. [...]

(Adaptado de http://www.ihu.unisinos.br/563878-os-medos-que-o -poder-transforma-em-mercadoria-politica-e-comercial-artigo-dezygmunt-bauman - Acesso em 26/03/2018)



Em relação ao texto I, assinale a alternativa correta.
  • A Em “Foi precisamente a consciência de ter que morrer, da inevitável brevidade do tempo, da possibilidade de que os projetos fiquem incompletos [...]”, todos os elementos em destaque são exigidos pela regência da palavra “consciência”.
  • B Em “Desde o seu início e ao longo de toda a sua longa história, o motor da cultura foi a necessidade de preencher o abismo que separa o transitório do eterno [...]” (4º parágrafo), o pronome em destaque faz referência à “consciência de ter que morrer”.
  • C Em “[...] para limitar ou para eliminar totalmente as ameaças devidas à casualidade da Natureza, à fraqueza física e à inimizade do próximo [...]”, o uso da crase é facultativo antes de “fraqueza” e antes de “inimizade”, tendo em vista que tais termos são regidos pela mesma palavra.
  • D Em “[...] todo tipo de sociedade e toda época histórica têm os seus próprios medos [...]”, há um sujeito composto que justifica o uso do acento circunflexo no verbo destacado, marcando a flexão de número.
  • E Em “[...] as nossas capacidades estão bem longe de apagar a ‘mãe de todos os medos’ [...]”, o termo “mãe de todos os medos” está entre aspas para destacar uma citação direta de outrem, trazendo ao texto outras vozes para comprovar o ponto de vista do autor.

Gabarito comentado da Questão 3 - Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região - Rio de Janeiro - Analista Judiciário - Engenharia Civil - AOCP (2018)

Letra A  

Nem todos os elementos em destaque são exigidos pela regência da palavra “consciência”. "Brevidade do tempo " e "possibilidade de que" não são     exigidos por esta regência.

 

Letra B  
O pronome "sua" faz referência a "longa história".

 

Letra C
Nenhuma das crases é facultativa.

 

Letra D - Correta
O sujeito composto todo tipo de sociedade e toda época histórica concorda com o verbo ter -  têm.

 

Letra E
"Mãe de todos os medos" não está se referindo a uma citação de algum autor, mas está à "morte".