O TAC, também chamado de Compromisso de Ajustamento de Conduta (CAC) é considerado como instrumento de atuação funcional que visa a redução do litígio, considerando que evita a judicialização por meio da autocomposição envolvendo direitos transindividuais.
A primeira previsão legal do compromisso de ajustamento de conduta se deu com o art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe:
Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Atualmente, essa permissão legal encontra fundamento no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP) inserido pelo art. 113 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).
Art. 5º (...)
§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
A par disso, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), com vistas a unificar as regras sobre o compromisso de ajustamento de conduta tomados pela instituição, editou a Resolução nº 179/2017, dispondo no art. 1º o seguinte:
Art. 1º O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração.
Natureza jurídica
A natureza jurídica do compromisso de ajustamento de conduta é de negócio jurídico, cuja finalidade é adequar a conduta do agente às exigências legais e constitucionais, tendo eficácia de título executivo extrajudicial. Tal afirmação decorre do que prevê expressamente o art. 1º da Resolução nº 179/2017 pelo CNMP:
Art. 1º O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração. (Grifos nossos.)
Conforme entendimento doutrinário, a exemplo de Hugo Nigro Mazzilli, o TAC possui natureza de ato administrativo negocial (negócio jurídico de direito público). Não se trata de transação, uma vez que inexiste poder de disponibilidade sobre o direito material controvertido e considerando, ainda, que “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação” (art. 841 do Código Civil – CC).
Em essência, portanto, consiste em um compromisso escrito para que o sujeito interessado adeque sua conduta às exigências da lei, ou seja, é a submissão do agente faltoso às obrigações legais previstas no compromisso, sob pena de certas cominações.
Objeto
O TAC pode ter por objeto qualquer obrigação de fazer ou não fazer, pagar ou entregar coisa, no zelo de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, o que inclui basicamente a proteção a danos efetivos ou potenciais aos seguintes interesses:
- meio ambiente;
- consumidor;
- ordem urbanística;
- patrimônio cultural (bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, arqueológicos, históricos);
- ordem econômica e a economia popular;
- crianças e adolescentes;
- idosos;
- pessoas com deficiência;
- investidores no mercado de valores mobiliários; e,
- quaisquer outros interesses transindividuais.
Limites e legitimidade
O compromisso de ajustamento de conduta tem cabimento para a tutela dos direitos transindividuais, visando a adequação da conduta do compromissário às exigências legais e constitucionais, podendo visar, ainda, o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, bem como a obrigação de pagar ou de entregar coisa, tendo eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração.
Pela leitura do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, somente os órgãos públicos legitimados à propositura de ação civil pública poderiam celebrar o compromisso de ajustamento de conduta.
Art. 5º (...).
§ 6º Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Assim, nem todos os colegitimados para a ação civil pública poderiam tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta, como, por exemplo, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações. Com efeito, as associações, por serem pessoas jurídicas de direito privado, estariam impedidas de propor compromisso de ajustamento de conduta. No entanto, no início de 2018, o STF entendeu pela possibilidade de uma associação celebrar sozinha um acordo com o interessado com vistas a extinguir a ação civil pública.
De acordo com o STF, a redação do § 6º do art. 5º da LACP se justifica, na medida em que o Poder Público somente pode fazer aquilo que a lei expressamente determina. Com efeito, as associações também estariam legitimadas a propor compromisso de ajustamento de conduta com o interessado, considerando que os particulares podem fazer tudo aquilo que a lei não proíba. Confira:
A associação privada autora de uma ação civil pública pode fazer transação com o réu e pedir a extinção do processo, nos termos do art. 487, III, “b”, do CPC. O art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) prevê que os órgãos públicos podem fazer acordos nas ações civis públicas em curso, não mencionando as associações privadas. Apesar disso, a ausência de disposição normativa expressa no que concerne a associações privadas não afasta a viabilidade do acordo. Isso porque a existência de previsão explícita unicamente quanto aos entes públicos diz respeito ao fato de que somente podem fazer o que a lei determina, ao passo que aos entes privados é dado fazer tudo que a lei não proíbe (STF, Plenário, ADPF nº 165-DF, julgado em 1º.03.2018).
Ainda sobre a legitimidade, também é possível que o TAC seja firmado em conjunto por órgãos de ramos diversos do MP ou por este e outros órgãos públicos legitimados, bem como contar com a participação de associação civil, entes ou grupos representativos ou terceiros interessados. É o que dispõe o § 6º do art. 3º da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Res. nº 179/2017, art. 3º (...)
§ 6º Poderá o compromisso de ajustamento de conduta ser firmado em conjunto por órgãos de ramos diversos do Ministério Público ou por este e outros órgãos públicos legitimados, bem como contar com a participação de associação civil, entes ou grupos representativos ou terceiros interessados.
Conforme vimos no início do tópico, o compromisso de ajustamento de conduta visa a adequação da conduta do compromissário às exigências legais e constitucionais, tendo eficácia de título executivo extrajudicial a partir da celebração.
Porém, há limitação na transação entre o compromitente e o compromissário. Isso porque, tendo em vista que o compromitente não é o titular dos direitos transindividuais a serem tutelados, não pode ele fazer concessões que impliquem renúncia a tais direitos (MAZZILLI, 2015). Assim, a autocomposição via compromisso de ajustamento de conduta está limitada à interpretação do direito aplicável ao caso concreto, à indicação das obrigações adequadas, em especial o modo, tempo e lugar de cumprimento, bem como à mitigação, à compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados.
Aliás, é o que dispõe o § 1º do art. 1º da Resolução nº 179/2017 do CNMP:
Art. 1º (...)
§ 1º Não sendo o titular dos direitos concretizados no compromisso de ajustamento de conduta, não pode o órgão do Ministério Público fazer concessões que impliquem renúncia aos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, cingindo-se a negociação à interpretação do direito para o caso concreto, à especificação das obrigações adequadas e necessárias, em especial o modo, tempo e lugar de cumprimento, bem como à mitigação, à compensação e à indenização dos danos que não possam ser recuperados.
Por fim, vale destacar que o STJ, no julgamento do RE nº 596.764, entendeu que os legitimados coletivos não podem ser obrigados a celebrar o compromisso de ajustamento de conduta, estando essa prerrogativa no campo da discricionariedade. Confira:
1. Tanto o art. 5º, § 6º, da LACP quanto o art. 211 do ECA dispõem que os legitimados para a propositura da ação civil pública “poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais”. 2. Do mesmo modo que o MP não pode obrigar qualquer pessoa física ou jurídica a assinar termo de cessação de conduta, o Parquet também não é obrigado a aceitar a proposta de ajustamento formulada pelo particular. Precedente. 3. O compromisso de ajustamento de conduta é um acordo semelhante ao instituto da conciliação e, como tal, depende da convergência de vontades entre as partes. (STJ, REsp. nº 596.764, julgado em 15.05.2012).
Destaca-se, ainda, que, quanto ao momento em que pode ser celebrado, o art. 3º da Resolução nº 179/2017, orienta no sentido de que “o compromisso de ajustamento de conduta será tomado em qualquer fase da investigação, nos autos de inquérito civil ou procedimento correlato, ou no curso da ação judicial, devendo conter obrigações certas, líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto, e ser assinado pelo órgão do Ministério Público e pelo compromissário”.
Espécies
O compromisso de ajustamento de conduta pode ser classificado como preliminar ou como definitivo, a depender se as medidas tomadas no âmbito do acordo sejam provisórias ou definitivas. Aliás, a possibilidade de acordos preliminares e definitivos está prevista expressamente no art. 2º da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Res. nº 179/2017, art. 2º No exercício de suas atribuições, poderá o órgão do Ministério Público tomar compromisso de ajustamento de conduta para a adoção de medidas provisórias ou definitivas, parciais ou totais.
Parágrafo único. Na hipótese de adoção de medida provisória ou parcial, a investigação deverá continuar em relação aos demais aspectos da questão, ressalvada situação excepcional que enseje arquivamento fundamentado.
Vale destacar, ainda, que o CSMP tem o poder de rever o TAC tomado pelo membro do MP, regra que não se aplica caso o compromisso tenha sido celebrado por outro ente legitimado para tanto. É o que prevê o art. 6º da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Art. 6º Atentando às peculiaridades do respectivo ramo do Ministério Público, cada Conselho Superior disciplinará os mecanismos de fiscalização do cumprimento do compromisso de ajustamento de conduta tomado pelos órgãos de execução e a revisão pelo Órgão Superior do arquivamento do inquérito civil ou do procedimento no qual foi tomado o compromisso, observadas as regras gerais desta resolução.
§ 1º Os mecanismos de fiscalização referidos no caput não se aplicam ao compromisso de ajustamento de conduta levado à homologação do Poder Judiciário.
§ 2º A regulamentação do Conselho Superior deve compreender, no mínimo, a exigência de ciência formal do conteúdo integral do compromisso de ajustamento de conduta ao Órgão Superior em prazo não superior a 3 (três) dias da promoção de arquivamento do inquérito civil ou procedimento correlato em que foi celebrado.
Sobre a fiscalização do cumprimento do termo de ajustamento de conduta, o MP do Estado de São Paulo editou a Súmula nº 4 do CSMP.
Súmula nº 4-CSMP-SP. Homologa-se arquivamento fundado em compromisso de ajustamento de conduta celebrado pelo MP ou por qualquer colegitimado, desde que suficiente e adequado à defesa dos interesses transindividuais tutelados e que contenha todos os requisitos de título executivo extrajudicial, cabendo ao órgão ministerial fiscalizar seu efetivo cumprimento quando por ele celebrado ou quando houver indícios de omissão do órgão colegitimado que o celebrou.
A fiscalização do cumprimento do termo de ajustamento de conduta caberá àquele que o propõe. Aliás, no âmbito do MP, a matéria é tratada nos arts. 9º, 10 e 12 da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Art. 9º O órgão do Ministério Público que tomou o compromisso de ajustamento de conduta deverá diligenciar para fiscalizar o seu efetivo cumprimento, valendo-se, sempre que necessário e possível, de técnicos especializados.
Parágrafo único. Poderão ser previstas no próprio compromisso de ajustamento de conduta obrigações consubstanciadas na periódica prestação de informações sobre a execução do acordo pelo compromissário.
Art. 10. As diligências de fiscalização mencionadas no artigo anterior serão providenciadas nos próprios autos em que celebrado o compromisso de ajustamento de conduta, quando realizadas antes do respectivo arquivamento, ou em procedimento administrativo de acompanhamento especificamente instaurado para tal fim.
Quanto ao eventual descumprimento do acordo pelo compromissário, destaca-se a possibilidade de ajuizamento de ação de execução pelo compromitente. O compromisso de ajustamento de conduta é considerado título executivo extrajudicial e seu descumprimento enseja o ajuizamento de uma ação de execução para o cumprimento efetivo de todas as obrigações assumidas. O tema é tratado pelos arts. 11 e 12 da Resolução nº 179/2017 do CNMP.
Art. 11. Descumprido o compromisso de ajustamento de conduta, integral ou parcialmente, deverá o órgão de execução do Ministério Público com atribuição para fiscalizar o seu cumprimento promover, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, ou assim que possível, nos casos de urgência, a execução judicial do respectivo título executivo extrajudicial com relação às cláusulas em que se constatar a mora ou inadimplência.
Parágrafo único. O prazo de que trata este artigo poderá ser excedido se o compromissário, instado pelo órgão do Ministério Público, justificar satisfatoriamente o descumprimento ou reafirmar sua disposição para o cumprimento, casos em que ficará a critério do órgão ministerial decidir pelo imediato ajuizamento da execução, por sua repactuação ou pelo acompanhamento das providências adotadas pelo compromissário até o efetivo cumprimento do compromisso de ajustamento de conduta, sem prejuízo da possibilidade de execução da multa, quando cabível e necessário.
Art. 12. O Ministério Público tem legitimidade para executar compromisso de ajustamento de conduta firmado por outro órgão público, no caso de sua omissão frente ao descumprimento das obrigações assumidas, sem prejuízo da adoção de outras providências de natureza civil ou criminal que se mostrarem pertinentes, inclusive em face da inércia do órgão público compromitente.
Outra questão importante diz respeito à possibilidade ou não de compromisso de ajustamento de conduta no âmbito das improbidades administrativas.
O tema é importante, porque o art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 vedava expressamente a transação na ação de improbidade administrativa. No entanto, o dispositivo foi alterado pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que passou a prever a possibilidade celebração de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa. Confira a redação atual do dispositivo:
Lei nº 8.429/1992, art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019.) (Grifos nossos.)
Dessa forma, atualmente, não mais há vedação à autocomposição nas ações de improbidade administrativa, permitindo-se a celebração de acordo de não persecução cível.
E, embora tenham sido vetados o art. 17-A e seus parágrafos, que estabeleciam a regulamentação para a celebração de tal acordo, a doutrina aponta a necessidade da presença cumulativa dos seguintes requisitos (LIMA, 2020):
i) confissão da prática do ato de improbidade administrativa;
ii) compromisso de reparação integral do dano causado;
iii) compromisso de transferência não onerosa, em favor da entidade lesada, da propriedade, dos bens, direitos e/ou valores que representem vantagem ou proveito direto ou indireto da infração, se houver;
iv) aplicação de uma ou mais sanções previstas pelo art. 12 da LIA.
Ainda, segundo o § 10-A do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, também acrescentado pela Lei nº 13.964/2019, “Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.” Portanto, a celebração do acordo de não persecução cível pode ser feita durante a fase judicial da ação de improbidade administrativa.
Importa ressaltar, ainda, que foi vetada norma que conferia legitimidade exclusiva ao MP para a celebração do acordo de não persecução cível (constante no caput do art. 17-A), de modo que entende-se que são legitimados para celebrar o acordo os mesmos sujeitos autorizados a ajuizar a ação de improbidade administrativa: o MP e a pessoa jurídica interessada (art. 17 da LIA).
Finalizando, convém ressaltar que o art. 1º, § 2º, da Resolução nº 179/2017 já admitia o acordo inclusive no âmbito da improbidade. Confira:
Lei nº 8.429/92, art. 17. (...)
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. Res. nº 179/2017, art. 1º (...)
§ 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado.