Resumo de Direitos Difusos e Coletivos - O microssistema da tutela coletiva

Atualmente, no Brasil, tem-se o chamado microssistema coletivo. Existem várias normas processuais esparsas sobre direitos coletivos, as quais formam um microssistema, não havendo no ordenamento jurídico pátrio uma legislação codificada de processo coletivo.

As duas principais normas de direito processual coletivo são a Lei da Ação Civil Pública (LACP) – Lei nº 7.347/1985 – e o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078/1990. Essas normas interagem umas com as outras.

O art. 21 da LACP estabelece que os dispositivos do Título III do CDC (da Defesa do Consumidor em Juízo) aplicam-se de forma subsidiária àquela, naquilo que esta não for incompatível. Do mesmo modo, o art. 90 do CDC afirma que tudo o que for previsto na LACP será também aplicado às ações previstas no Título III do CDC.

Assim, o art. 21 da LACP e o art. 90 do CDC, conhecidos como normas de reenvio, denotam a existência do microssistema processual coletivo. Sobre o tema, observe o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DE INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ARTS. 127 E 129, III E IX, DA CF. VOCAÇÃO CONSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RELEVÂNCIA PÚBLICA. EXPRESSÃO PARA A COLETIVIDADE. UTILIZAÇÃO DOS INSTITUTOS E MECANISMOS DAS NORMAS QUE COMPÕEM O MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. EFETIVA E ADEQUADA PROTEÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF). 2. “São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (art. 129 da CF). 3. É imprescindível considerar a natureza indisponível do interesse ou direito individual homogêneo – aqueles que contenham relevância pública, isto é, de expressão para a coletividade – para estear a legitimação extraordinária do Ministério Público, tendo em vista a sua vocação constitucional para a defesa dos direitos fundamentais. 4. O direito à saúde, como elemento essencial à dignidade da pessoa humana, insere-se no rol daqueles direitos cuja tutela pelo Ministério Público interessa à sociedade, ainda que em favor de pessoa determinada. 5. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de “propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art. 83 do CDC). 6. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da ação civil pública (STJ, REsp. nº 695.396/RS, 1ª Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 12.04.2011, DJe 27.04.2011 – grifos nossos).

O microssistema processual coletivo é um sistema integrativo aberto, exatamente porque existe uma série de leis esparsas que se comunicam, interagem entre si, para que se possa extrair delas a máxima efetividade da tutela coletiva (princípio da interação ou integratividade do microssistema processual coletivo). Esse fenômeno é um exemplo decorrente da chamada tese do diálogo das fontes.

As principais normas sobre o processo coletivo estão na LACP e no CDC, mas o microssistema processual coletivo é complementado, ainda, pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e por outras leis esparsas com vocação coletiva, por exemplo:

  • a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (Lei nº 6.938/1981);
  • a Lei de Ação Popular (Lei nº 4.717/1965);
  • a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992);
  • o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069/1990);
  • o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003);
  • o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001); e
  • o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015).

Além disso, em se tratando de um sistema, deve-se atentar a uma interpretação harmônica e coerente das leis supracitadas.

O Código de Processo Civil (CPC), inteiramente realizado para demandas individuais, não possui aplicação subsidiária nesse microssistema de processo coletivo. Na verdade, a aplicação do CPC, segundo Fredie Didier (2013, p. 56), é residual, ou seja, somente quando não se encontra as respostas no sistema especializado, deve-se perquirir no sistema processual civil comum.

Sistemas processuais coletivos

Dois são os sistemas processuais coletivos que encontramos na atualidade. Assim, basicamente, temos o modelo alemão, das chamadas ações associativas – Verbandsklage –, e o modelo norte-americano, das chamadas class actions, oriundo da Federal Rule 23. Os dois sistemas possuem características totalmente diferentes, sendo que o direito brasileiro baseou-se nos parâmetros norte-americanos.

a) Ações associativas: as ações associativas – Verbandsklage – são oriundas do direito alemão. No entanto, não possuem uma sistematização legislativa bem definida. Geralmente, estão presentes em leis esparsas, correlacionadas a direitos específicos. São de titularidade de associações temáticas, que necessitam da autorização de seus associados para promover ações judiciais. As tutelas que geralmente são permitidas são as tutelas inibitórias ou injuncionais. As reparações dos danos devem ser perquiridas em tutelas individuais. Não é um modelo muito satisfatório de tutela coletiva.

b) Class actions: o modelo norte-americano é calcado na possibilidade de proteção de direitos em massa, ou seja, diretos que se revelam de forma molecular. Seu principal traço distintivo ou característica é a possibilidade de um indivíduo (como na ação popular brasileira), ou um grupo de indivíduos, pleitear a proteção da tutela coletiva. A coisa julgada no sistema das class actions vincula os substituídos, quer na procedência, quer na improcedência. Entretanto, garante-se aos indivíduos o right to put out, ou o direito de dizer ao legitimado ou informar no processo que não quer ser vinculado à coisa julgada nele estabelecida.

c) Modelo brasileiro de tutela coletiva: o modelo brasileiro foi inspirado no sistema norte-americano das class actions. No entanto, apresenta algumas diferenças. A primeira delas diz que é a regra em nosso direito que a coisa julgada seja secundum eventum litis e secundum eventum probationis (art. 103 do CDC e art. 16 da LACP), ao contrário da coisa julgada incondicional do direito norte-americano. Outra questão é que o direito brasileiro optou por conceituar os direitos coletivos em sentido amplo (art. 81, parágrafo único, do CDC), o que também não se faz presente no sistema norte-americano.

O sistema das class actions permite a legitimação para um indivíduo realizar a tutela coletiva. O direito brasileiro não permite essa aplicação para as ações civis públicas, mas o permite para as ações populares (Lei nº 4.717/1965).