O processo coletivo tem princípios próprios que o diferenciam do processo civil individual. Passaremos, agora, ao estudo dos princípios aplicáveis à tutela dos interesses difusos e coletivos.
Princípio da primazia da solução de mérito
Por este princípio, em razão do interesse social que norteia o processo coletivo, o juiz pode flexibilizar os rigores processuais dos requisitos de admissibilidade da ação coletiva a fim de que haja uma resposta de mérito. Simplificando, o juiz deve tentar evitar que o processo seja extinto sem julgamento do mérito.
Embora este princípio não tenha previsão legal no microssistema coletivo, ele decorre da interpretação do § 3º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, LACP:
(...) § 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
Atualmente, no entanto, o princípio da primazia da solução de mérito pode ser encontrado no art. 4º do novo Código de Processo Civil, que pode ser aplicado ao processo coletivo em caráter subsidiário.
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Princípio da máxima efetividade do processo coletivo
Por este princípio, em razão do interesse social que norteia o processo coletivo, o juiz conserva mais poderes-deveres no processo coletivo do que no processo individual.
De acordo com Fredie Didier (2010, p. 124), são expressões desse princípio a atuação do juiz no controle das políticas públicas, os poderes de flexibilização procedimental (GAJARDONI, 2008, p. 246) e o aumento dos poderes instrutórios do juiz.
Como exemplo de manifestação do princípio em comento, podemos citar o art. 7º da LACP, que impõe o dever ao juiz que tenha conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura de ação coletiva, remeter as peças ao MP para que este possa ajuizá-la ou instaurar inquérito civil.
Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Outro exemplo de manifestação desse princípio é a possibilidade de aplicação da inversão do ônus da prova na ação civil pública ambiental, regra insculpida na Súmula nº 618 do STJ.
Súmula 618-STJ. A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental.
Judicialização de políticas públicas
Políticas públicas são promessas constitucionais relativas à proteção de um direito fundamental individual ou coletivo.
Elas estão delineadas pela Constituição Federal, devendo ser observadas de modo vinculante pela Administração Pública. Surgem, portanto, como exemplos, as políticas públicas voltadas para a saúde, a educação, a moradia etc.
A judicialização das políticas públicas revela-se em uma manifestação do chamado “ativismo judicial”, que, diga-se de passagem, não viola a separação de poderes. Isso porque as políticas públicas não foram eleitas pelo magistrado, mas pela própria Constituição Federal. O magistrado nada mais faz do que determinar o cumprimento da própria Constituição Federal.
O ativismo judicial também não viola a discricionariedade administrativa, pois não há discricionariedade do administrador quanto à implementação de políticas públicas necessárias ao exercício pleno de direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal. A implementação das políticas públicas é, portanto, um ato vinculado ao administrador, sem margem para a conveniência e a oportunidade.
Dito de outro modo, o legislador e o administrador não têm escolha, a não ser cumprir o que determina a Constituição Federal. Assim sendo, quando o Poder Judiciário determina que o Estado implemente uma política pública, ele o faz porque a Constituição já fez essa opção e o administrador deve apenas cumpri-la. No entanto, a maneira como o administrador irá cumprir a promessa constitucional, isso sim, ainda configura uma discricionariedade administrativa.
Um ponto polêmico diz respeito às chamadas “escolhas trágicas” na implementação de políticas públicas. Fala-se em escolhas trágicas quando há insuficiência de recursos públicos para atender as todas as diretrizes constitucionais relacionadas com os direitos sociais. Diante dessa situação, o administrador não poderá deixar de implementar, ao menos, o núcleo mínimo existencial da política pública (promessa constitucional). Diante da falta de disponibilidade orçamentária comprovada para implementação integral da política pública, o administrador não pode deixar de atender, ao menos, o núcleo essencial da garantia fundamental.
Em suma, a judicialização da política significa que as questões que antes eram de atribuição das instâncias políticas tradicionais (Poderes Executivo e Legislativo) passam a ser decididas pelo Judiciário para a garantia da supremacia da Constituição Federal, em razão de uma retração de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo. Com efeito, a judicialização da política não viola a separação de poderes (BARROSO, 2009).
Autocontenção judicial
É o oposto de judicialização da política. A autocontenção judicial significa que a visão do magistrado em relação às decisões políticas não pode se sobrepor às decisões de conveniência e oportunidade tomadas pelos agentes públicos eleitos. Caso não se configure inconstitucionalidade evidente ou ofensa a direitos fundamentais não haverá razão para que o Poder Judiciário se sobreponha à valoração feita pelos agentes políticos. A expressão foi utilizada pelo STF na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 4.976-DF, julgada em 07.05.2014.
Princípio da atipicidade do processo coletivo
Este princípio autoriza que qualquer espécie de ação individual seja coletivizada.
Tal princípio pode ser extraído do art. 83 do CDC, que faz parte do microssistema processual coletivo:
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
A despeito desse princípio, lembre-se que o parágrafo único do art. 1º da LACP veda o ajuizamento de ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
Princípio do máximo benefício da tutela coletiva
Significa que a coisa julgada coletiva só pode beneficiar o indivíduo, mas nunca o prejudicar. Assim:
a) No caso de improcedência da ação coletiva, nada impede o ajuizamento de ação individual.
b) No caso de procedência da ação coletiva, o indivíduo poderá executá-la individual- mente, ou seja, o indivíduo que se beneficia da procedência da ação pode transportar a coisa julgada coletiva. Esse fenômeno é conhecido por transporte in utilibus da coisa julgada coletiva (transporte da coisa julgada no que for útil).
Há exceção à regra supracitada, no caso de ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos, se o indivíduo participar em litisconsórcio com o autor coletivo, a coisa julgada coletiva poderá beneficiar ou prejudicar (art. 94 do CDC).
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor (regra aplicável só para a ação coletiva de tutela dos individuais homogêneos).
O princípio do máximo benefício da tutela coletiva pode ser extraído do § 3º do art. 103 do CDC:
§ 3º Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.
Mas o que motivou o legislador a prever este princípio? Não há coisa julgada prejudicial ao indivíduo, porque não foi ele que confiou o ajuizamento da ação coletiva ao representante adequado (exemplo: Ministério Público, Defensoria etc.), mas, sim, a própria lei.
Princípio da prioridade na tramitação da ação coletiva
O princípio da prioridade na tramitação decorre de uma interpretação sistemática. Este princípio significa que, respeitadas as preferências constitucionais (exemplo: habeas corpus, habeas data e mandado de segurança), entre um processo individual e um processo coletivo, prefere-se o julgamento dos processos coletivos, porquanto o que está em jogo é o interesse social.
Vale sempre lembrar que o interesse social é o que norteia o processo coletivo.
Princípio da ampla divulgação do ajuizamento da ação coletiva
Este princípio tem previsão legal no art. 94 do CDC, somente se aplicado às ações coletivas para a tutela dos direitos individuais homogêneos. Vejamos o que diz o referido dispositivo legal:
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. (Grifos nossos.)
Princípio da integratividade do microssistema processual coletivo
Diferentemente de outros países, no Brasil, não existe uma legislação codificada de processo coletivo, mas legislações esparsas sobre o tema. Daí a relevância do princípio da integratividade do microssistema processual coletivo.
A existência do microssistema processual coletivo decorre da interpretação do art. 21 da LACP e do art. 90 do CDC, conhecidos como normas de reenvio.
LACP, art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
CDC, art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.
As principais normas sobre o processo coletivo estão na LACP e no CDC, exatamente porque o art. 21 da primeira afirma que os dispositivos do Título III do CDC (da Defesa do Consumidor em Juízo) se aplicam à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais. Do mesmo modo, o art. 90 do CDC afirma que tudo o que for previsto na LACP será também aplicado às ações previstas no Título III do CPC.
O microssistema processual coletivo é complementado, ainda, por outras leis esparsas com vocação coletiva, como:
a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente;
a Lei de Ação Popular;
a Lei de Improbidade Administrativa;
o Estatuto da Criança e do Adolescente;
o Estatuto do Idoso;
o Estatuto da Cidade;
o Estatuto da Igualdade Racial; e
o Estatuto da Pessoa com Deficiência.
O microssistema processual coletivo é um sistema integrativo aberto, exatamente porque existe uma série de leis esparsas que se comunicam, interagem entre si, para que se possa extrair delas a máxima efetividade da tutela coletiva. Esse fenômeno é um exemplo decorrente da chamada tese do diálogo das fontes.
Vale lembrar, ainda, que o CPC somente se aplica em caráter subsidiário, ou seja, quando o microssistema não resolver o caso concreto discutido.
Princípio da representação adequada presumida por lei
Por este princípio, apenas os legitimados ativos do art. 5º da LACP (Lei nº 7.347/1985) podem propor ações coletivas. No Brasil, portanto, a representação adequada decorre de uma escolha feita previamente pela própria lei (ope legis).
Princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva
Este princípio significa que, uma vez ajuizada a ação coletiva, o legitimado dela não poderá dispor (abrir mão). Isso porque o objeto do processo coletivo é indisponível (não pertence ao autor da ação coletiva).
Em razão de o objeto ser indisponível é que a desistência injustificada ou o abandono da ação não gerará a extinção do processo coletivo, mas, sim, a sucessão processual por qualquer outro colegitimado.
Diz-se que essa indisponibilidade é mitigada, porque no caso de desistência fundada/ motivada, o juiz poderá homologar o pedido e extinguir o processo sem conhecimento do mérito.
Esse princípio pode ser extraído do § 3º do art. 5º da LACP:
§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.
E, também, do art. 9º da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular – LAP):
Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
Princípio da indisponibilidade da execução coletiva
Por este princípio, transitada em julgado a ação coletiva, a execução coletiva será obrigatória. Com isso, caso o autor não promova a execução coletiva, qualquer outro colegitimado poderá fazê-lo, e o Ministério Público deverá.
Este princípio está previsto no art. 15 da LACP:
Art. 15. Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
Igualmente, o princípio da indisponibilidade da execução coletiva pode ser extraído do art. 16 da LAP:
Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias da publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução. o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.