Resumo de Direitos Difusos e Coletivos - Teoria geral do processo civil coletivo

Direitos Difusos e Coletivos

Inicialmente, não podemos confundir tutela de direitos coletivos, em sentido estrito, com a tutela coletiva de direitos individuais (homogêneos). Também não se deve confundir a tutela material dos direitos coletivos com a tutela jurisdicional desses direitos, na qual o Ministério Público atua como “demandista”, assumindo a posição de autor de ações coletivas como órgão interveniente e, ainda, como órgão que tem a atribuição de assumir a titularidade de ações propostas por outros legitimados.

O processo coletivo comum refere-se à defesa (tutela jurisdicional) dos direitos coletivos em sentido amplo, por meio de ações judiciais, tais como ações civis públicas etc. Cuida de direito subjetivo, ainda que coletivo, titularizado pela coletividade, por grupos, classes etc. É concreto e busca maior eficiência ao texto constitucional (princípio da economia processual).

Assim, o objeto do processo coletivo é a tutela dos direitos transindividuais, cujos conceito e classificação decorrem do disposto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em: direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos.

CDC, art. 81. (...).

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

No processo coletivo comum, vigora o princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva (ou princípio da indisponibilidade mitigada da ação coletiva). O titular do direito de ação não é o mesmo titular do direito material (legitimidade extraordinária), de modo que somente pode dispor do direito se houver justa motivação que traga vantagem aos substituídos, como os termos de ajustamento de conduta etc. Esse princípio pode ser extraído do § 3º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP):

Art. 5º (...)

§ 3º Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

Já o processo coletivo especial se refere ao controle concentrado de constitucionalidade e não guarda relação com os direitos coletivos. Tutela direito objetivo. A presunção de interesse da coletividade é absoluta, já que se trata da supremacia constitucional. É abstrato, vigorando o princípio da indesistibilidade da ação (o legitimado não pode desistir da ação de controle concentrado). Conforme o art. 5º da Lei nº 9.868/1999 (que dispõe sobre a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal [STF]): “Proposta a ação direta, não se admitirá desistência”.

Vale lembrar, também, que o CDC estabeleceu, para a tutela dos direitos individuais homogêneos, uma ação coletiva específica, reparatória, baseada no sistema norte-americano, ali chamada de “class actions for damages”.

Esta ação, prevista nos arts. 91 e seguintes do CDC, se trata de uma espécie de ação coletiva, assim como a ação popular, a ação civil pública. Porém, nela, a tutela coletiva de direitos individuais depende da homogeneidade do direito individual (art. 81, parágrafo único, III, do CDC).

CDC, art. 81. (...)

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...)

III − interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.

Não basta que duas pessoas possuam direitos homogêneos, pois, neste caso, há mero litisconsórcio em ação individual.

Diante dos chamados novos direitos, houve a superação da dicotomia clássica entre direito público e direito privado. Isso porque os direitos difusos não seriam nem públicos nem privados, possuindo princípios e regras próprios.

Quanto ao surgimento no mundo, os novos direitos se revelaram, principalmente, após a revolução industrial, diante do surgimento dos direitos humanos de 3ª geração. Vale lembrar que os direitos humanos se revelam conforme as necessidades humanas. Relativamente aos metaindividuais, como visto acima, surgiram como direitos de 3ª geração, possuindo titulares indetermináveis.

Sendo uma decorrência de acontecimentos fáticos que atingiram toda a coletividade, cujos indivíduos não estão necessariamente ligados por uma relação jurídica, se diz que os direitos metaindividuais decorrem de “lesões de massa”, como por exemplo, o dano ambiental. Nesse contexto, nota-se, também, que a tutela dos novos direitos é conflituosa, uma vez que não há consenso social quanto a melhor forma de se tutelar tais posições jurídicas.

Sendo os direitos metaindividuais representados como direitos humanos de 3ª geração/dimensão, vale destacar a seguinte classificação (WEISS, 2006):

Direitos fundamentais de 1ª geração: também conhecidos como liberdades civis individuais, revelam-se diante da necessidade de limitar o poder despótico dos reis da monarquia absolutista. Na França sob o predomínio da máxima: “L ’État c’est moi” (O Estado sou eu), não se falava em direitos dos cidadãos perante os estados. Foi nesse contexto que foram revelados os direitos “negativos”, contra o Estado, impondo-se um “dever” de não fazer perante os cidadãos. O foco era a proteção ao indivíduo, como um ser único, do que decorreram as chamadas “Revoluções liberais do Séc. XVIII”. A busca era pelo non facere do Estado.

Direitos fundamentais de 2ª geração: com o passar do tempo, novas necessidades surgiram ao ser humano e os direitos de primeira geração já não resolviam problemas de ordem social. Com as Constituições de Weimar, de 1919, e do México, em 1917, as sociedades passaram a buscar a intervenção do Estado para garantir direitos mínimos no âmbito social, postulando por uma atividade satisfativa estatal, e, consequentemente, por direitos positivos sistematizados por políticas públicas, a fim de se alcançar qualidade de vida por meio de saúde, educação, segurança pública, dentre outros direitos e garantias.

Historicamente, os direitos sociais se revelam antes da preocupação com os chamados “novos direitos”, especialmente por meio de manifestações da classe operária no pós-revolução.

Direitos fundamentais 3ª geração: surge por volta da década de 1960. Revelam- se os direitos denominados difusos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado e direito do consumidor. Exige-se tanto a ação como a omissão do Estado, mas não apenas dele. Toda a coletividade é chamada para garantir tais direitos.

Naturalmente, os novos direitos careciam de tutela jurídica, gênero cujas espécies são: tutela material (civil, penal, administrativa, ambiental etc.) e tutela jurisdicional (instrumental ou processual).

O procedimento no direito processual individual clássico tutela direitos subjetivos titularizados por pessoas determinadas.

O processo coletivo, por sua vez, tem por missão a tutela jurisdicional de direitos e interesses cujos titulares são indetermináveis. Diante da insuficiência do Código de Processo Civil (CPC) para a disciplina do processo coletivo, houve a necessidade de o legislador editar regras específicas para a tutela coletiva, o que ocorreu por meio da interação de diversas leis.

Tais leis são híbridas, isto é, possuem aspectos dos direitos material e processual. Como exemplo, podemos citar a Lei nº 9.605/1998 (lei dos crimes ambientais, que também prevê infrações administrativas, dispositivos processuais, civis etc.). Outro exemplo é a Lei nº 6.938/1981 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente –, a qual prevê a legitimidade do Ministério Público para a ação de responsabilidade civil por dano ambiental. A essa interação dá-se o nome de “microssistema coletivo”, com regras e princípios próprios, com aplicação apenas subsidiária do CPC.

Enfrentadas tais premissas do processo coletivo, vale lembrar de forma bastante sucinta, que o processo civil evoluiu da seguinte maneira (GAJARDONI, 2012):

1) Fase sincretista ou romanista (civilista): não havia distinção entre direito material e processual. Tal fase perdurou até 1868.

2) Fase autonomista: inspirada em Oskar Von Bülow (1868), cuja obra “A teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais” tratou da relação jurídica processual paralela à relação jurídica de direito material entre as partes, perdurando até 1950 (LEAL, 2010).

3) Fase instrumentalista: inspirada na obra “Acesso à Justiça” de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (CAPPELLETTI; GARTH, 1988), nesta fase, busca-se uma reaproximação com o direito material, sem negar a autonomia do processo, sendo ele o principal instrumento de acesso à Justiça. Para que ocorra a reaproximação, são necessárias três ondas renovatórias, que, em verdade, representam três propostas de modificações para corrigir os problemas de materialização do princípio do acesso à justiça. São elas:

− Acesso à Justiça aos hipossuficientes: diante dos obstáculos econômicos para acessar a justiça, propõe-se a criação e a expansão da assistência judiciária gratuita.

− Proteção de direitos difusos e coletivos e da titularidade indeterminada dos difusos: em face das diferenças de capacidade das pessoas de postular em juízo (motivadas por formação educacional, habitualidade de litigância das partes, marginalização etc.), propõe-se a criação de instrumentos processuais para a promoção e proteção de direitos coletivos, bem como para a representação coletiva em juízo.

− Novo enfoque do acesso à justiça: busca a simplificação, mediante reformas do sistema judiciário e alterações dos procedimentos processuais e estruturas do poder, a fim de facilitar a solução dos litígios.

As três ondas renovatórias transportam as chamadas ações de grupo norte-americanas (class actions), típicas da common law, às regras da civil law. No Brasil, isso ocorre com a edição da LACP e do CDC.

A tutela coletiva dos direitos difusos e coletivos, portanto, posiciona-se numa forma de segunda onda renovatória, uma segunda forma de vencer o obstáculo do acesso à justiça.

Devemos observar que alguns critérios utilizados no processo individual, como a legitimidade, a coisa julgada e a competência, como consagrados no processo individual, são ineficientes ao processo coletivo.

O termo interesse público vem sendo utilizado amplamente para alcançar os interesses sociais, os interesses indisponíveis do indivíduo e da coletividade e até mesmo os interesses difusos e coletivos. Dessa forma, o próprio legislador teria abandonado o termo “interesse público” como interesse do Estado, passando a adotá-lo como interesse geral, da coletividade (vide arts. 176 a 178 do CPC).

Nos últimos anos, tem-se evidenciado uma categoria intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, já que compartilhados por grupos e classes de pessoas.

Assim, foi para dar guarida a tais interesses que os trabalhos de Cappelletti e Garth (CAPPELLETTI; GARTH, 1988) passaram a se debruçar em questões ligadas ao acesso à justiça, com mecanismos que propiciassem a tutela desses interesses.

Por falarmos em interesse público, convém sinalizarmos a diferença conceitual entre o interesse público primário e o interesse público secundário. O interesse público primário é o interesse social, isto é, da coletividade como um todo. Já o interesse público secundário é o modo pelo qual os órgãos da Administração veem o interesse público, atuando muitas vezes em defesa da própria pessoa jurídica de direito público e contrariando os interesses da sociedade. É o interesse público primário que deve fundamentar a atuação do MP.

Vale lembrar, ainda, que de acordo com a doutrina, os interesses transindividuais se caracterizam pela conflituosidade, ou seja, a complexidade e a fragmentariedade da sociedade contemporânea resultam na contraposição acentuada dos interesses difusos e coletivos. Nesse sentido, a defesa de determinado interesse difuso ou coletivo pode ser compartilhada por um grupo e atacada por outro, não havendo consenso na forma de tutela.

Da mesma forma, melhorar os serviços às classes menos favorecidas pode resultar no aumento da carga tributária das classes mais privilegiadas.

Sem negar a conflituosidade desses interesses, ainda prevalece a supremacia da noção do bem comum, ou seja, o interesse público primário, sendo possível a composição desse conflito em nome do bem comum.

De qualquer maneira, quer se entenda pela existência de um grupo intermediário de interesses, que ficaria entre o público e o privado, quer se entenda pela coincidência entre interesse público e interesses sociais e transindividuais, o fato é que o MP possui como atribuição constitucional a defesa desses interesses (público, social, indisponível, transindividuais).

Nessa linha, sempre que houver interesse público em jogo, o parquet estará legitimado a atuar.

Sobre a nova atuação do Poder Judiciário diante dos direitos sociais, vale apontar duas observações:

a) Judicialização da política: o Judiciário participa, decidindo nas ações coletivas, da formação e implementação de políticas públicas − juiz como “coautor” de políticas públicas.

b) Colisão de princípios constitucionais: indaga-se a possibilidade de o magistrado atuar diante da omissão da Administração na realização de políticas sociais. A resposta é afirmativa: sempre que houver ofensa à integridade do sistema e à eficácia dos direitos individuais e coletivos, deverá o juiz atuar por meio das ações coletivas.