Questão 1 do Concurso Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região - Mato Grosso - Analista Judiciário - Área Administrativa - FCC (2016)

O processo impregnado de complexidade, ao qual se sobrepõem ideias de avanço ou expansão intensamente ideologizadas, e que convencionamos chamar pelo nome de progresso, tem, dentre outros, um atributo característico: tornar a organização da vida cada vez mais tortuosa, ao invés de simplificá-la. Progredir é, em certos casos, sinônimo de complicar. Os aparelhos, os sinais, as linguagens e os sons gradativamente incorporados à vida consomem a atenção, os gestos, a capacidade de entender. Além disso, do manual de instruções de um aparelho eletrônico à numeração das linhas de ônibus, passando pelo desenho das vias urbanas, pelos impostos escorchantes e pelas regras que somos obrigados a obedecer – inclusive nos atos mais simples, como o de andar a pé −, há uma evidente arbitrariedade, às vezes melíflua, às vezes violenta, que se insinua no cotidiano.

Não há espaço melhor para averiguarmos as informações acima do que os principais centros urbanos. Na opinião do geógrafo Milton Santos, um marxista romântico, “a cidade é o lugar em que o mundo se move mais; e os homens também. A co-presença ensina aos homens a diferença. Por isso, a cidade é o lugar da educação e da reeducação. Quanto maior a cidade, mais numeroso e significativo o movimento, mais vasta e densa a co-presença e também maiores as lições de aprendizado".

Essa linha de pensamento, contudo, não é seguida por nós, os realistas, entre os quais se inclui o narrador de O silenceiro, escrito pelo argentino Antonio di Benedetto. Para nós, o progresso transformou as cidades em confusas aglomerações, nas quais a opressão viceja. O narrador-personagem do romance de Di Benedetto anseia desesperadamente pelo silêncio. Os barulhos, elementos inextricáveis da cidade, intrometem-se no cotidiano desse homem, ganhando existência própria. E a própria espera do barulho, sua antevisão, a certeza de que ele se repetirá, despedaça o narrador. À medida que o barulho deixa de ser exceção para se tornar a norma irrevogável, fracassam todas as soluções possíveis.

A cidade conspira contra o homem. As derivações da tecnologia fugiram, há muito, do nosso controle.

(Adaptado de: GURGEL, Rodrigo. Crítica, literatura e narratofobia. Campinas, Vide Editorial, 2015, p. 121-125)



Depreende-se do texto que

  • A a ideia de que a sociedade progride a partir da vida nas cidades, tanto para o autor do texto como para Milton Santos, concentra-se no fato de que nelas as diferenças são assimiladas com indulgência.
  • B à medida que a sociedade progride e dispõe de mais aparatos eletrônicos, a vida torna-se proporcionalmente mais simples, e ampliam-se as formas de interação com os demais.
  • C o autor enaltece o pensamento de Milton Santos, exposto no segundo parágrafo, valorizando especialmente a ideia do geógrafo de que a cidade é o lugar da educação e da reeducação.
  • D o autor, por meio do uso do termo “contudo", (3° parágrafo) estabelece a diferença entre as ideias que os realistas têm sobre a vida na cidade e as de Milton Santos, que seria um marxista romântico.
  • E a citação de um personagem de romance (3° parágrafo) reitera a intenção do autor de refutar a ideia de que a cidade é desfavorável ao homem.