Questão 1 Comentada - Prefeitura Municipal de Iporá - Advogado - UEG (2016)

O duplo*

Sentado num dos primeiros bancos do ônibus número 15, Praça São Salvador - Rio Comprido, vejo surpreso, e logo com crescente espanto, minha imagem refletida no retrovisor, com traje e movimentos que não são meus. Para afastar a possibilidade de uma alucinação, faço, como prova, exaustivos gestos propositadamente exagerados, que a imagem refletida não repete.

- Um sósia? Mas esse é semelhante, jamais idêntico.

Meu desassossego, meu espanto crescem.

O outro, com roupa e movimentos diferentes, permanece tranquilo, impassível, alheio à minha presença e parece nem se importar em ser réplica.

- Ele não me terá visto? Impossível, estamos próximos. Ele talvez ocupe um assento à minha frente. Não sei.

A ideia do indivíduo de ser dois apavora.

Já agora preso de um terror incontrolável, soo a campainha do coletivo e desço precipitado, sem olhar para trás, sem sequer ousar localizá-lo: falta-me coragem para ver o outro que vive fora de mim.

Porto Alegre, 4 de março de 1994

* Embora de 1994, o texto narra episódio vivido no Rio de Janeiro nos anos 40.

CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. Organização e apresentação Augusto Massi. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 33.



O enunciado “Falta-me coragem para ver o outro que vive fora de mim”, com o qual Iberê Camargo faz o fechamento de sua pequena crônica,

  • A expressa uma reflexão sobre a relação que o “eu” estabelece com a alteridade.
  • B indica a incapacidade do narrador em lidar com os seus traumas de infância.
  • C descreve com minúcias o cenário no qual se desenvolve o episódio narrado.
  • D assegura que o episódio narrado é uma construção metafórica da realidade.
  • E reforça a historicidade do episódio narrado, conferindo-lhe um traço factual.