Lendo os clássicos
Deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permanecem os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o reencontro é um acontecimento totalmente novo. De fato, poderíamos dizer que toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta.
Essas considerações valem tanto para os clássicos antigos como para os modernos. Se leio a Odisseia, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de seu protagonista, o herói Ulisses, passaram a significar através dos séculos, e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações que se acresceram com as sucessivas leituras. E se leio um clássico mais próximo de nós, como Os possuídos de Dostoiévski, não posso deixar de pensar em como suas personagens continuaram a reencarnar-se até os nossos dias.
(Adaptado de: CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Penguin, 2009)
O autor argumenta em favor da tese de que a releitura das obras clássicas
- A vale como conferência e ratificação dos valores cristalizados na tradição clássica, que sempre vale a pena revisitar para fortalecer os axiomas da civilização.
- B proporciona sempre novas revelações, seja pela dinâmica mesma do tempo histórico em que elas vão se inscrevendo, seja pelas mudanças íntimas que cada um experimenta na vida.
- C faz reviver em nós a nostalgia de outros tempos, quando as aventuras heroicas ainda faziam sentido e ilustravam a ilusão humana de que há descobertas a fazer.
- D permite corrigirmos as falsas impressões inerentes às primeiras leituras, quando ainda não havia perspectiva histórica para que pudéssemos emitir um julgamento mais isento.
- E comprova o fato de que a arte caminha a passos largos para seu próprio aperfeiçoamento, pois as obras antigas testemunham um estágio de que as obras novas são a superação.