Pensamento crítico de José Saramago
Brilhante provocador intelectual, consciência insatisfeita, duro polemista e detonador de conformismos, além de refinado analista e observador atento de seu tempo, o escritor português José Saramago assumiu, com visível energia a partir da década de 1990, a função crítica do homem de cultura envolvido pelo pulsar de seu tempo. Concernido pelo mundo e pela natureza do ser humano, empreendeu a tarefa de desestabilizar, mediante o questionamento, uma realidade social que julgou opaca, confusa e injusta.
Saramago destacava “a necessidade de abrir os olhos” e, como Aristóteles, apegava-se à obrigação de elevar o julgamento ao nível da maior lucidez possível. Essa busca exigente das facetas ocultas da verdade – “as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global”, garante – o conduziria a explorar o outro lado do visível, circulando por caminhos que escapavam ao costume. Tratava-se, em resumo, de procurar enxergar com clareza, para o que se tornava iniludível a tarefa de revelar e resgatar as omissões. Iluminar e desentranhar o real constituía uma aspiração central de seu pensamento.
Com base nesses pressupostos, enfrentou o que chamava pensamento único – ou pensamento zero, como também o qualificava – opondo-lhe a resistência de uma autêntica barricada moral e intelectual. Suas visões alternativas foram expressas com a clareza e a autonomia de um livre-pensador que reage contra as deformações dos mitos e as limitações das versões oficiais. Praticou, como o filósofo francês Voltaire, a dúvida sistemática, reagindo com firmeza à indolência da frase que diz “sábio é aquele que se contenta com o espetáculo do mundo”, defendida pelo poeta Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa.
(Comentário sem indicação autoral ao livro As palavras de Saramago. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 453-454)
Há ocorrência de forma verbal na voz passiva e pleno atendimento às normas de concordância na frase:
- A A dúvida sistemática a que se entregou Saramago em seus textos mais maduros parecem derivar de suas leituras de Voltaire.
- B A poucas pessoas costumam ocorrer que os dados da realidade vivem muito mais de uma aparência de verdade por trás da qual se oculta a verdade efetiva.
- C Assim como Aristóteles se empenhava na clareza do pensamento, assim também sucedem aos grandes escritores espelhar-se na filosofia clássica.
- D Em mais de um texto Saramago defendeu a ideia de que a História não é mais que uma narrativa parcial, uma vez que faltariam aos fatos a versão dos derrotados.
- E Enquanto não se fazem as análises possíveis de um acontecimento, é importante que se desconfie das omissões e lacunas de quem o registra.