Mais vale prevenir do que remediar
Os dicionários trazem lições fundamentais, quanto ao justo sentido das palavras: costumam revelar o seu sentido de origem e o de seu emprego atual. Os provérbios também são esclarecedores: numa forma sintética, formulam lições que nascem do que as criaturas aprendem de suas próprias experiências de vida.
Veja-se, por exemplo, o que afirma o provérbio “Mais vale prevenir do que remediar”. Prevenir é “tomar a dianteira”, “antecipar”, tal como dispõe o dicionário. Uma palavra que serve de prima-irmã desse verbete é precaver: daí que previdentes e precavidos seriam aqueles que preferem tomar medidas para não serem surpreendidos por fatos indesejáveis e incontornáveis. Nesse campo conceitual, a ideia comum é a valorização de iniciativas que se devem assumir para administrar o nosso destino até onde for possível. Sabemos todos, no entanto, que nem tudo se previne, e nem tudo tem remédio: vem daí outro provérbio popular, “o que não tem remédio, remediado está”. Como se vê, admite que nem tudo tem solução, ao passo que o provérbio que dá o título deste texto insiste em valorizar toda ação pela qual se busca, justamente, evitar a etapa da falta de remédio: prevenir.
Ainda caminhando pelos verbetes do dicionário e pelas falas dos provérbios, damos com a palavra providência, que tem o sentido comum de “decisão”, “encaminhamento”. Ocorre que se vier com a inicial maiúscula − Providência − estará fazendo subentender a ação divina, a expressão maior de um poder que nos rege a todos. Há quem confie mais na Providência divina do que em qualquer outra instância humana; mas é bom lembrar que há também o provérbio “Deus ajuda a quem cedo madruga”, no qual se sugere que a vontade divina conta com a disposição do nosso trabalho, do nosso empenho, da nossa iniciativa, para se dispor a nos ajudar. Não parece haver contradição alguma entre ter fé, confiar na Providência, e ao mesmo tempo acautelar-se, sendo previdente. A ordem providencial e a ordem previdenciária podem conviver pacificamente, num sistema de reforço mútuo, por que não? A diferença entre ambas está em que a segunda conta com a qualidade da nossa gestão, de vez que seremos responsáveis não apenas pelo espírito de cautela que nos anima, mas sobretudo pelas medidas a tomar para que se administre no presente o que deve ser feito com vistas à garantia de um bom futuro.
(Júlio Ribas de Almeida, inédito)
No segundo parágrafo do texto,
- A os dois provérbios referidos devem ser entendidos como formas diferentes de enunciar uma mesma significação.
- B explora-se o sentido negativo do que seja uma “prevenção”, na acepção que ela pode ter de “atitude preconceituosa”.
- C cita-se por inteiro um provérbio com o qual se pode relativizar o que afirma o provérbio que dá o título ao texto.
- D o autor insiste na ideia de que a sabedoria dos provérbios está em não se contradizerem em suas lições básicas.
- E o conceito de “prevenir” é tomado no duplo sentido de antecipar o que é possível e de postergar o que é inevitável.