Questão 3 do Concurso Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas (AL-AP) - Assistente Legislativo - FCC (2020)

[O motor da preguiça]

        Acho que a verdadeira força motriz do desenvolvimento humano, a razão da superioridade e do sucesso do Homem, foi a preguiça. A técnica é fruto da preguiça. O que são o estilingue, a flecha e a lança senão maneiras de não precisar ir lá e esgoelar a caça ou um semelhante com as mãos, arriscando-se a levar a pior e perder a viagem? O que estaria pensando o inventor da roda senão no eventual desenvolvimento da charrete, que, atrelada a um animal menos preguiçoso do que ele, o levaria a toda parte sem que ele precisasse correr ou caminhar?

      Toda a história das telecomunicações, desde os tambores tribais e seus códigos primitivos até os sinais da TV e a internet, se deve ao desejo humano de enviar a mensagem em vez de ir entregá-la pessoalmente. A fome de riqueza e poder do Homem não passa da vontade de poder mandar os outros fazerem o que ele tem preguiça de fazer, seja de trazer os seus chinelos ou construir suas pirâmides.

      A química moderna é filha da alquimia, que era a tentativa de ter o ouro sem ter que procurá-lo, ou trabalhar para merecê-lo. A física e a filosofia são produtos da contemplação, que é um subproduto da indolência e uma alternativa para a sesta, A grande arte também se deve à preguiça. Não por acaso, o que é considerada a maior realização da melhor época da arte ocidental, o teto da Capela Sistina, foi feita pelo Michelangelo deitado. Marcel Proust escreveu Em busca do tempo perdido deitado. Vá lá, recostado. As duas maiores invenções contemporâneas, depois do antibiótico e do microchip, que são a escada rolante e o manobrista, devem sua existência à preguiça. E nem vamos falar no controle remoto.

(Adaptado de: VERISSIMO, Luis Fernando. O mundo é bárbaro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 54-55) 



Para obter os efeitos do humor ácido que caracteriza suas crônicas, Luis Fernando Veríssimo explora nesse texto, metodicamente,

  • A uma sequência de invenções imaginárias, às quais se atribui uma importância que efetivamente elas não poderiam ter.
  • B o critério da fantasia histórica, pela qual se considera que todas as invenções nasceram da vocação humana para o humor.
  • C o contraste entre motivações falsas e motivações verdadeiras nas criações humanas, de modo que o leitor não consiga distinguir umas das outras.
  • D uma série diferenciada de impulsos humanos que nos permitem atestar a finalidade real das invenções da modernidade.
  • E a desproporção entre a grande importância de diferentes criações humanas e um mesmo motivo trivial que as teria impulsionado.