Questão 1 Comentada - Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJ-ES) - Analista Judiciário - Oficial de Justiça Avaliador - CESPE (Cebraspe) (2023)

Texto CG1A1-I

    A apropriação colonial das terras indígenas muitas vezes se iniciava com alguma alegação genérica de que os povos forrageadores viviam em um estado de natureza — o que significava que eram considerados parte da terra, mas sem nenhum direito a sua propriedade. A base para o desalojamento, por sua vez, tinha como premissa a ideia de que os habitantes daquelas terras não trabalhavam. Esse argumento remonta ao Segundo tratado sobre o governo (1690), de John Locke, em que o autor defendia que os direitos de propriedade decorrem necessariamente do trabalho. Ao trabalhar a terra, o indivíduo “mistura seu trabalho” a ela; nesse sentido, a terra se torna, de certo modo, uma extensão do indivíduo. Os nativos preguiçosos, segundo os discípulos de Locke, não faziam isso. Não eram, segundo os lockianos, “proprietários de terras que faziam melhorias”; apenas as usavam para atender às suas necessidades básicas com o mínimo de esforço.  


    James Tully, uma autoridade em direitos indígenas, aponta as implicações históricas desse pensamento: considera-se vaga a terra usada para a caça e a coleta e, “se os povos aborígenes tentam submeter os europeus a suas leis e costumes ou defender os territórios que durante milhares de anos tinham erroneamente pensado serem seus, então são eles que violam o direito natural e podem ser punidos ou ‘destruídos’ como animais selvagens”. Da mesma forma, o estereótipo do nativo indolente e despreocupado, levando uma vida sem ambições materiais, foi utilizado por milhares de conquistadores, administradores de latifúndios e funcionários coloniais europeus na Ásia, na África, na América Latina e na Oceania como pretexto para obrigar os povos nativos ao trabalho, com meios que iam desde a escravização pura e simples ao pagamento de taxas punitivas, corveias e servidão por dívida.


David Graeber e David Wengrow. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Cia das Letras, 2022, p. 169-170 (com adaptações).


Com base nas ideias veiculadas no texto CG1A1-I, julgue o item a seguir


O texto mostra evasivas utilizadas por europeus para legitimar a apropriação colonial de terras indígenas.

  • Certo
  • Errado

Gabarito comentado da Questão 1 - Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJ-ES) - Analista Judiciário - Oficial de Justiça Avaliador - CESPE (Cebraspe) (2023)

A questão aborda a interpretação de um texto sobre a apropriação de terras indígenas pelos europeus.

O objetivo é identificar se o texto demonstra a existência de justificativas, ou "evasivas", utilizadas pelos europeus para legitimar a ocupação colonial dessas terras.

A resposta correta é CERTA.

O texto, no primeiro parágrafo, apresenta explicitamente essa ideia:

“A apropriação colonial das terras indígenas muitas vezes se iniciava com alguma alegação genérica de que os povos forrageadores viviam em um estado de natureza — o que significava que eram considerados parte da terra, mas sem nenhum direito a sua propriedade. A base para o desalojamento, por sua vez, tinha como premissa a ideia de que os habitantes daquelas terras não trabalhavam."

Percebe-se que o texto indica que os europeus usavam argumentos (evasivas) para justificar a tomada das terras indígenas.

Essas justificativas envolviam a alegação de que os indígenas estavam em um "estado de natureza" e que não trabalhavam na terra.

Portanto, a afirmação de que o texto apresenta evasivas utilizadas pelos europeus para legitimar a apropriação colonial é correta.