Questão 68 Comentada - Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DPE-SC) - Defensor Público (2021)

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a legítima defesa da honra nos crimes contra a vida

  • A é incabível por ser tese violadora da dignidade humana, dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres, embora tecnicamente seja legítima defesa.
  • B está excluída do âmbito do instituto da legítima defesa, havendo óbice para sua utilização de forma direta ou indireta.
  • C admite seu cabimento em hipóteses excepcionais, de forma mitigada, embora não possa ser utilizada como tese defensiva de forma direta.
  • D teve sua aplicação obstada em razão da luta do movimento feminista, embora encontre fundamento constitucional.
  • E possui aplicação condicionada à preservação da imagem da vítima, a fim de afastar recursos argumentativo-retóricos odiosos, desumanos e cruéis.

Gabarito comentado da Questão 68 - Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DPE-SC) - Defensor Público (2021)

1. "Legítima defesa da honra" não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.

2. A "legítima defesa da honra" é recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988.

3. Tese violadora da dignidade da pessoa humana, dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III, art. 5º, caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional brasileira. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. O acolhimento da tese tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção.

4. A "legítima defesa da honra" não pode ser invocada como argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Assim, devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.

5. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da "legítima defesa da honra" (ou qualquer argumento que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos debates por ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal.

(STF - ADPF: 779 DF 0112261-18.2020.1.00.0000, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 15/03/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 20/05/2021)