Entre o público e o privado
“Pichou o nome da gangue em parede de igreja.” Essa frase está no dicionário Houaiss para exemplificar o sentido do verbo pichar: “escrever, rabiscar (dizeres de qualquer espécie) em muros, paredes, fachadas de edifícios etc.”. Mas o exemplo de aplicação do verbo não é neutro: a diferença entre “nome da gangue” e “parede de igreja” parece sugerir a violência de um ato condenável, herético, pecaminoso, aplicado sobre o espaço do sagrado.
Do ponto de vista dos pichadores, porém, sua ação é política, e corresponderia, ainda, a uma manifestação artística de caráter transgressivo. A pichação seria o direito de os anônimos marginalizados inscreverem sua marca pessoal no espaço público, para proclamarem sua existência como sujeitos. Já os adversários dos pichadores costumam ver nas pichações a obsessão pela sujeira atrevida, pelo prazer rudimentar de manchar o que é limpo. Os mais sofisticados chegam mesmo a reverter a justificativa dos pichadores: a pichação seria a manifestação de uma iniciativa privada dentro do espaço aberto ao público.
A discussão está lançada. Não parece que estejamos próximos de ver terminada essa batalha pela distribuição e reconhecimento de direitos conflitantes. O espaço da cidade continua, assim, um campo de disputa entre os que detêm o direito de propriedade e os que justificam a ação transgressiva como o direito a uma assinatura.
(Teobaldo Tirreno, inédito)
Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre o texto:
- A A justificativa dos pichadores e a dos que se opõem às pichações apoiam-se, ambas, em argumentos que esses dois grupos consideram plenamente sólidos.
- B O autor do texto que examina o verbete pichar do dicionário, julga que este foi parcial ao se valer do exemplo que ilustra, o termo correspondente ao respectivo verbo.
- C Muitos veem no ato de pichar não uma transgressão intencional, conquanto o seja, mas uma demonstração de incivilidade em cuja não se respeita o direito privado.
- D Ao contrário do que insistem em afirmar os pichadores, seus adversários inclusive, julgam que o ato deles seria muito mais uma manifestação pessoal do que social.
- E De fato, o espaço urbano é revelador de que o palco das cidades vem tornando-se cada vez mais uma disputa acerrada entre detentores de direitos controversos.