Questão 14 Comentada - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Procurador - UERJ (2025)

Ao passar por uma movimentada praça pública, um homem, irritado com um desentendimento, utilizou sua arma de fogo para atirar contra uma estátua localizada no meio da multidão. O tiro atingiu a cabeça de uma pessoa, que sofreu ferimento grave, mas sobreviveu após atendimento médico. O MP denunciou o homem por tentativa de homicídio (art. 121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal), por atirar com arma de fogo, assumindo o risco de atingir alguém. Com base nessa situação e na jurisprudência do STF, é correto afirmar que:

  • A como o homem não tinha o objetivo de atingir ninguém em específico, sua conduta não pode ser enquadrada como tentativa de homicídio, inviável nas hipóteses de dolo eventual
  • B a tentativa de homicídio com dolo eventual é possível, pois o resultado letal só não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade do homem
  • C o dolo eventual só pode ser reconhecido quando há um histórico de ameaças ou agressões prévias entre o agente e a vítima
  • D como o homem não tinha intenção direta de matar ninguém, ele deve responder apenas por lesão corporal dolosa

Gabarito comentado da Questão 14 - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Procurador - UERJ (2025)

A seguir, apresento a análise detalhada da questão, com foco na jurisprudência dos Tribunais Superiores brasileiros sobre o tema.

Letra A - Errada

Esta afirmativa está incorreta porque contraria o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A jurisprudência brasileira admite plenamente a compatibilidade entre a tentativa de homicídio e o dolo eventual. O fato de o agente não ter um alvo específico não afasta o dolo, que, no caso, se manifesta ao assumir o risco de produzir o resultado morte ao atirar em local com grande circulação de pessoas.

Letra B - Correta

Esta alternativa descreve com precisão a posição jurídica majoritária e aplicada pelos tribunais. A tentativa é plenamente compatível com o dolo eventual. Para a configuração do dolo eventual, exige-se que o agente, mesmo sem querer diretamente o resultado, preveja que ele é possível e, ainda assim, prossiga com a sua conduta, demonstrando indiferença e assumindo o risco de causá-lo. No caso descrito, ao atirar em uma praça movimentada, o homem assumiu o risco de matar alguém. Como a morte (resultado letal) não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade (o socorro médico eficaz e a sorte da vítima), estão presentes todos os elementos da tentativa de homicídio (início da execução de um crime de homicídio que não se consuma por fatores externos).

Letra C - Errada

A existência de ameaças ou agressões prévias não é um requisito legal para a configuração do dolo, seja ele direto ou eventual. O dolo é um elemento subjetivo, analisado no momento da conduta do agente. Fatores como ameaças anteriores podem servir como indícios ou provas para demonstrar a intenção, mas a sua ausência não impede o reconhecimento do dolo eventual, que pode perfeitamente ocorrer contra vítima desconhecida, como no caso em tela.

Letra D - Errada

Esta alternativa desconsidera a figura do dolo eventual. O fato de o agente não ter a intenção direta e específica de matar (dolo direto) não significa que ele deva responder apenas pelo resultado efetivamente causado (lesão corporal). Se o Ministério Público conseguir provar que ele, com sua conduta, assumiu o risco de matar, o enquadramento correto é a tentativa de homicídio. A análise do elemento subjetivo (dolo) é o que diferencia os crimes, e aceitar o risco de matar é, para o Direito Penal brasileiro, uma forma de dolo.