Devaneio, logo existo
As três pessoas que estavam comigo no elevador se recusavam a devanear. Assim como as pessoas do vagão do metrô. Foram duas rápidas observações que me levaram a respirar aliviado por ter percebido que ainda preservava a autoindulgência tanto do devaneio quanto da inspeção de atitudes alheias. A crítica de “ninguém mais conversa; todo mundo anda e até come com a fuça no celular” nunca me convenceu, pois se a pessoa não está prejudicando ninguém, que faça o que bem entender. No meu conceito, porém, ela está deixando de existir como indivíduo, pois é no devaneio, na contemplação e na troca que se imprime identidade no mundo.
Explico melhor. E para isso recorro à inteligência artificial generativa, uma evocação à própria base de dados para geração de conteúdos novos, sejam textos, áudios, músicas, imagens ou vídeos. E o que é essa jornada se não o próprio caminho do processo criativo, por onde estabelecemos nossa assinatura? Os pensamentos não nascem no vácuo. As descobertas tampouco. Insights germinam do correlacionamento de memórias, da conexão das diferentes peças no repertório intelectual que fomos colecionando no decorrer da vida. A iluminação é elaborada em nosso devaneio. Só que cada vez menos somos propensos à permissão de experiências tão somente contemplativas. Até o caminhar precisa ser preenchido por fone de ouvido, consumo de notícias, checagem de mensagens de Whatsapp.
Quando dizem que a meditação é um dos pilares de estilo de vida saudável não explicam devidamente sua importância. O próprio René Descartes, inspirador do título deste artigo e do cartesianismo, lançou obra chamada Meditações. Também não é explícito o risco do comodismo de entregar tudo o que tona humana a nossa espécie a um dispositivo. Já é sabido desde o século 18, na Revolução Industrial, que as máquinas são superiores em produção. Só que a mecanização não ativa a inteligência nem a razão, que são as ligas da vida e do real progresso dos seres humanos. Ainda no século 17 os filósofos iluministas ensinaram o valor do devaneio na formação de pessoas com melhores decisões morais.
(Adaptado de: PIMENTAL, Luiz Cesar. Revista Isto é, 15/03/2024. Disponível em: https://istoe.com.br)
No texto, a relação entre devaneio e existência é evidenciada pela
- A sugestão de que o devaneio sobrepuja a essência humana, sendo necessário desafiá-lo por uma compreensão profunda da realidade.
- B defesa de que devanear é fundamental para a vida humana, pois é por meio dessa atividade que se constrói identidade e se estabelece conexão com o mundo.
- C discussão da conexão entre devaneio, contemplação e subjetividade, mas sem a apresentação de um ponto de vista claro e conclusivo.
- D crítica à tendência contemporânea de supervalorizar o devaneio no lugar de constantes estímulos externos, por comprometerem a essência humana.
- E alegação de que devanear é uma atividade supérflua na vida moderna, uma vez que a existência humana está mais ligada à produção e à eficiência.