Questão 4 Comentada - Prefeitura Municipal de Santa Maria de Jetibá - Auditor Público Interno - Especialidade: Administração - Instituto Consulplan (2024)

O texto contextualiza a questão. Leia-o atentamente. 



Você é um número 



        Se você não tomar cuidado vira um número até para si mesmo. Porque a partir do instante em que você nasce classificam--no com um número. Sua identidade no Félix Pacheco é um número. O registro civil é um número. Seu título de eleitor é um número. Profissionalmente falando você também é. Para ser motorista, tem carteira com número, e chapa de carro. No imposto de renda, o contribuinte é identificado com um número. Seu prédio, seu telefone, seu número de apartamento – tudo é número.


        Se é dos que abrem crediário, para eles você também é um número. Se tem propriedades, também. Se é sócio de um clube tem um número. Se é imortal da Academia Brasileira de Letras tem número da cadeira.


        É por isso que vou tomar aulas particulares de matemática. Preciso saber das coisas. Ou aulas de física. Não estou brincando: vou mesmo tomar aulas de matemática, preciso saber alguma coisa sobre cálculo integral.


        Se você é comerciante, seu alvará de localização o classifica também.


        Se é contribuinte de qualquer obra de beneficência também é solicitado por um número. Se faz viagem de passeio ou de turismo ou de negócio recebe um número. Para tomar um avião, dão-lhe um número. Se possui ações também recebe um, como acionista de uma companhia. É claro que você é um número no recenseamento. Se é católico recebe um número de batismo. No registro civil ou religioso você é numerado. Se possui personalidade jurídica tem. E quando a gente morre, no jazigo, tem um número. E a certidão de óbito também.


        Nós não somos ninguém? Protesto. Aliás é inútil o protesto. E vai ver meu protesto também é número.


        A minha amiga contou que no Alto do Sertão de Pernambuco uma mulher estava com o filho doente, desidratado, foi ao posto de saúde. E recebeu a ficha com o número 10. Mas dentro do horário previsto pelo médico a criança não pôde ser atendida porque só atenderam até o número 9. A criança morreu por causa de um número. Nós somos culpados.


        Se há uma guerra, você é classificado por um número. Numa pulseira com placa metálica, se não me engano. Ou numa corrente de pescoço, metálica.


        Nós vamos lutar contra isso. Cada um é um, sem número. O si-mesmo é apenas o si-mesmo. 


        E Deus não é número. 


        Vamos ser gente, por favor. Nossa sociedade está nos deixando secos como um número seco, como um osso branco seco posto ao sol. Meu número íntimo é nove. Só. Oito. Só. Sete. Só. Sem somá-los nem transformá-los em novecentos e oitenta e sete. Estou me classificando como um número? Não, a intimidade não deixa. Veja, tentei várias vezes na vida não ter número e não escapei. O que faz com que precisemos de muito carinho, de nome próprio, de genuinidade. Vamos amar que amor não tem número. Ou tem? 


(LISPECTOR, Clarice. Todas as crônicas. 2018.) 



Considerando o emprego do termo “se”, é possível identificar e reconhecer no texto várias ocorrências, demonstrando seu uso. Sobre tal afirmativa, está correto o indicado em: 
  • A O efeito discursivo provocado pelo emprego do “se”, no texto, demonstra um aspecto hipotético impositivo.
  • B A repetição do termo “se” tem como finalidade enfatizar e reforçar a ideia expressa diante dos fatos mencionados.
  • C A conjunção “se” poderia ser substituída no texto por “embora” sem que haja prejuízo de sentido, realizadas as devidas alterações estruturais.
  • D O emprego insistente do termo “se” no texto tem a função de indicar as consequências possíveis da presença dos números na vida das pessoas.