A configuração da relação de emprego rural exige, além dos requisitos caracterizadores da relação de emprego, a prestação de serviços a empregador rural, assim considerado aquele que exerce atividade agroeconômica.
Lei 5.889/1973, Art. 2º - Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário
Art. 3º - Considera-se empregador rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.
Considera-se agroeconômica a atividade agrícola, pastoril ou pecuária que não se destina, exclusivamente, ao consumo de seus proprietários.
Também é considerada atividade rural, aquela de cunho industrial desenvolvida em estabelecimento agrário.
Lei 5.889/1973, Art. 2º, §3º - Inclui-se na atividade econômica referida no caput deste artigo a exploração industrial em estabelecimento agrário.
§4º - Consideram-se como exploração industrial em estabelecimento agrário, para os fins do parágrafo anterior, as atividades que compreendem o primeiro tratamento dos produtos agrários in natura sem transformá-los em sua natureza, tais como:
I – o beneficiamento, a primeira modificação e o preparo dos produtos agropecuários e hortigranjeiros e das matérias-primas de origem animal ou vegetal para posterior venda ou industrialização;
II – o aproveitamento dos subprodutos oriundos das operações de preparo e modificação dos produtos in natura, referidas no item anterior.
Se o empregado labora em uma propriedade rural, porém seus serviços são tomados por pessoa física que não aufere lucros a partir da atividade ali desenvolvida, será ele doméstico e não rural
Propriedade rural é aquela localizada fora do perímetro urbano.
Prédio rústico é a propriedade localizada no perímetro urbano onde se desenvolve atividade agroeconômica.
O local da prestação dos serviços é indiferente para a configuração do empregado como rurícola.
Boia-Fria
O boia-fria é aquele trabalhador que se ativa no meio rural, notadamente nas épocas de safra, por curto período de tempo. O boia-fria geralmente é empregado, pois normalmente preenche os requisitos legais.
Estão presentes todos estes elementos, pois o boia-fria se ativa de forma repetida (ainda que por curto período de tempo), esta atividade por ele desenvolvida é repetível (será necessária na etapa seguinte do ciclo da produção) e necessária (essencial) à consecução da atividade normal do empregador. Finalmente, ao prestar serviços na época da safra, o boia-fria se fixa juridicamente, ainda que por pouco tempo, ao empregador.
Quanto aos turmeiros, vulgarmente conhecidos como gatos, não podem ser considerados equiparados a empregador, porque simplesmente agenciam, na qualidade de intermediários, a contratação dos boias-frias. Assim, não há vínculo empregatício entre o gato e o boia-fria, sendo o intermediário um mero preposto do real tomador dos serviços.
Atividades Atípicas e Indústria Rural
STF, Súm.196, - Ainda que exerça atividade rural, o empregado de empresa industrial ou comercial é classificado de acordo com a categoria do empregador.
Quanto ao enquadramento jurídico dos demais trabalhadores que prestam serviços a empregadores rurais, porém em atividades distintas daquelas típicas da lavoura e da pecuária, tanto a doutrina quanto a jurisprudência se inclinam no sentido de que são empregados rurais.
Isso ocorre porque o elemento essencial que distingue o rurícola é a atividade do empregador, e não a qualidade pessoal ou mesmo a atividade efetivamente exercida pelo trabalhador.
São exemplos os motoristas, os apontadores, os administradores, os tratoristas, os empregados de escritório de empresa agropecuária, entre outros.
Também serão enquadrados como rurícolas os trabalhadores que se ativem no plantio, no corte de árvores e no reflorestamento
TST, OJ-SDI-1-38 - O empregado que trabalha em empresa de reflorestamento, cuja atividade está diretamente ligada ao manuseio da terra e de matéria-prima, é rurícola e não industriário, nos termos do Decreto nº 73.626, de 12.02.1974, art. 2º, § 4º, pouco importando que o fruto de seu trabalho seja destinado à indústria. Assim, aplica-se a prescrição própria dos rurícolas aos direitos desses empregados.
Ocorre o mesmo quanto aos empregados da indústria de açúcar e álcool. Assim, um empregado contratado para o corte da cana ou um auxiliar de escritório da unidade industrial serão rurícolas.
Direitos constitucionalmente assegurados ao trabalhador rural
A Constituição equipara, para fins de direitos assegurados, os trabalhadores urbanos e rurais.
CF, Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)
Aplicação da CLT e de leis não consolidadas ao trabalhador rural
Em princípio, a CLT afastou os rurícolas de seu âmbito de proteção:
CLT, Art. 7º - Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais;
Porém, se aplicam vários preceitos celetistas a estes trabalhadores, que são regidos por lei própria.
Lei nº 5.889/1973, Art. 1º - As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho.
Intervalos intrajornada e interjornadas
O intervalo interjornadas do rurícola é igual ao do trabalhador urbano, ou seja, de no mínimo onze horas. Quanto ao intervalo intrajornada, uma sensível diferença: o intervalo é concedido conforme os usos e costumes da região, não sendo o mesmo expressamente fixado em Lei. Ou seja, é obrigatório o intervalo, mas o quantum depende dos usos e costumes da região onde é prestado o trabalho.
Lei nº 5.889/1973, Art. 5º - Em qualquer trabalho contínuo de duração superior a seis horas, será obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação observados os usos e costumes da região, não se computando este intervalo na duração do trabalho. Entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de onze horas consecutivas para descanso.
Trabalho noturno
O horário noturno do rurícola é diferente do aplicável ao trabalhador urbano. Por ausência de previsão legal, não se aplica ao rurícola a hora noturna reduzida.
Lei nº 5.889/1973, Art. 7º - Para os efeitos desta Lei, considera-se trabalho noturno o executado entre as vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, na lavoura, e entre as vinte horas de um dia e as quatro horas do dia seguinte, na atividade pecuária.
Parágrafo único. Todo trabalho noturno será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento) sobre a remuneração normal.
A hora reduzida só se aplica ao trabalhador urbano
Fornecimento de utilidades
Também é diferente do urbano o tratamento em relação ao fornecimento de utilidades, bem como os percentuais máximos de desconto.
Lei nº 5.889/1973, Art. 9º - Salvo as hipóteses de autorização legal ou decisão judiciária, só poderão ser descontadas do empregado rural as seguintes parcelas, calculadas sobre o salário mínimo:
a) até o limite de 20% (vinte por cento) pela ocupação da morada;
b) até o limite de 25% (vinte por cento) pelo fornecimento de alimentação sadia e farta, atendidos os preços vigentes na região;
c) adiantamentos em dinheiro.
§1º As deduções acima especificadas deverão ser previamente autorizadas, sem o que serão nulas de pleno direito.
§2º Sempre que mais de um empregado residir na mesma morada, o desconto, previsto na letra “a” deste artigo, será dividido proporcionalmente ao número de empregados, vedada, em qualquer hipótese, a moradia coletiva de famílias.
§3º Rescindido ou findo o contrato de trabalho, o empregado será obrigado a desocupar a casa dentro de trinta dias.
§5º A cessão pelo empregador, de moradia e de sua infraestrutura básica, assim como bens destinados à produção para sua subsistência e de sua família, não integram o salário do trabalhador rural, desde que caracterizados como tais, em contrato escrito celebrado entre as partes, com testemunhas e notificação obrigatória ao respectivo sindicato de trabalhadores rurais.
A moradia, no meio rural, muitas vezes é condição para o trabalho, e não contraprestação fornecida pelo trabalho, razão pela qual não possui natureza salarial.
Cultura intercalar
Lei nº 5.889/1973, Art. 11 - Nas regiões em que se adota a plantação subsidiária ou intercalar (cultura secundária), a cargo do empregado rural, quando autorizada ou permitida, será objeto de contrato em separado.
Parágrafo único. Embora devendo integrar o resultado anual a que tiver direito o empregado rural, a plantação subsidiária ou intercalar não poderá compor a parte correspondente ao salário mínimo na remuneração geral do empregado, durante o ano agrícola.
Plantação intercalar ou subsidiária é aquela cultura paralela à cultura principal, normalmente “tocada” pelo empregado, por conta própria. Ou seja, o empregado planta para si próprio em meio à lavoura do patrão.
Obviamente, este tipo de plantação só é admitido se autorizada pelo empregador, que, afinal, é o dono da terra.
O que o dispositivo regula é o efeito jurídico de tal prática. Em primeiro lugar, “será objeto de contrato em separado” quer dizer que será objeto de cláusula contratual (ou outro contrato adicional, tanto faz) que autorize a cultura intercalar e regule seus termos.
Em segundo lugar, os resultados da cultura intercalar não podem ser utilizados para a garantia do salário mínimo do trabalhador, ou seja, o que o empregado auferir a partir da plantação intercalar é seu, obtido a partir de seu trabalho, por conta própria, nas suas horas de folga.
Acontece que, no caso, a cessão da terra pelo empregador, para plantio da cultura intercalar, não seria salário-utilidade? Certamente que sim, pois, ao ceder a terra para o empregado plantar, o empregador o faz como contraprestação pelo trabalho. E é exatamente este o sentido da primeira parte do parágrafo único: “embora devendo integrar o resultado anual a que tiver direito o empregado rural”; ou seja, a cessão da terra constitui salário-utilidade, cujo valor correspondente deve ser acrescido ao salário para efeito de cálculo “do resultado anual”, qual seja 13º salário e FGTS. Não integraria, no caso, o cálculo das férias, pois as férias são o resultado do que o empregado receberia se estivesse trabalhando, mais 1/3. No caso, ele continua recebendo a terra durante as férias.
Por fim, resta indagar acerca do critério de aferição do valor desta utilidade fornecida, sendo que a solução seria a utilização do valor da própria colheita (produto da terra cedida) como parâmetro.
Insalubridade e periculosidade
Os adicionais de insalubridade e de periculosidade foram estendidos aos trabalhadores rurais pela CRFB/1988.
OJ 173 - II – Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria Nº 3214/78 do MTE.
Safrista
O contrato de safra é aquele que tem a sua “duração dependente de variações estacionais da atividade agrária”. Trata-se, portanto, de um contrato por prazo determinado.
No âmbito trabalhista, safra tem uma conotação mais ampla, designando não só a colheita, como também as atividades preparatórias de determinada cultura, tais como o plantio, a capina, a pulverização, entre outras.
Lei nº 5.889/1973, Art. 14 - Expirado normalmente o contrato, a empresa pagará ao safrista, a título de indenização do tempo de serviço, importância correspondente a 1/12 (um doze avos) do salário mensal, por mês de serviço ou fração superior a 14 (quatorze) dias.
Parágrafo único. Considera-se contrato de safra o que tenha sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrária.
O patrão indeniza sem ter sido inadimplente. Isso porque o contrato de safra provocaria a perda do potencial laborativo do empregado, ao passo que este jamais alcançaria alguns dos direitos trabalhistas conferidos aos demais empregados, como férias gozadas, multa do FGTS em eventual quebra de contrato, entre outros. Esta indenização é compatível com o FGTS. Portanto, devem ser cumuladas.
Aviso prévio
Também aqui há uma diferença em relação ao empregado urbano.
Lei nº 5.889/1973, Art. 15 - durante o prazo do aviso-prévio, se a rescisão tiver sido promovida pelo empregador, o empregado rural terá direito a um dia por semana, sem prejuízo do salário integral, para procurar outro trabalho
Enquanto o art. 488 da CLT dispõe que cabe ao empregado escolher entre sair duas horas mais cedo diariamente ou faltar sete dias consecutivos quando do cumprimento do aviso prévio, nos casos de despedida imotivada, a Lei do Trabalho Rural prevê a liberação do empregado um dia por semana durante o aviso prévio.