Questão 3 Comentada - Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) - Auditor de Controle Externo - Especialidade: Ciências Atuariais - VUNESP (2023)

Hora do pesadelo


O carnaval de rua veio para ficar. O número de blocos autorizados pela Prefeitura de São Paulo a desfilar entre os dias 15 de fevereiro e 1º de março chegou a 644, 180 a mais do que no ano passado. Haverá 678 desfiles em cerca de 400 pontos da cidade. São dados que mostram a potência econômica e turística desse evento para a cidade. Dessa forma, cabe às autoridades competentes cuidar para que um acontecimento dessa magnitude transcorra da maneira mais tranquila possível, não apenas para os milhares de participantes mas também para os que, malgrado não queiram participar da festa, são obrigados a conviver com seus efeitos mais danosos – sejam as interdições que obrigam moradores a alterar drasticamente sua rotina de deslocamentos, seja a incivilidade de muitos dos foliões.

O potencial econômico dos desfiles carnavalescos ajuda a explicar o exponencial crescimento dos blocos e a atração de cada vez mais turistas. Esse gigantismo pode representar ganhos para a cidade, mas é um enorme desafio para a Prefeitura. A julgar pela experiência dos anos anteriores, o ambiente para os foliões tem sido em geral satisfatório. O problema é que a Prefeitura tem sido incapaz de oferecer o mesmo tratamento àqueles – grande maioria – que não estarão nos desfiles. Para estes, o carnaval é a hora do pesadelo, que vem se tornando mais tétrico a cada ano que passa.

Mais blocos e mais desfiles pela cidade significam mais sujeira, mais barulho, mais ruas fechadas. Paulistanos tornam-se reféns dentro de suas próprias casas, tendo de suportar, dia e – principalmente – noite, a algazarra de foliões que estendem a festa até altas horas, fazendo seu carnaval particular em local público.

Ao mesmo tempo que aceita e estimula a expansão do carnaval de rua na cidade, a Prefeitura tem demonstrado escassa capacidade para coibir o comportamento selvagem dos que abusam do direito de se divertir na festa. Mas as vítimas desse descaso começam a reagir.

Um abaixo-assinado de moradores da Vila Leopoldina levou a Prefeitura a desistir de incluir a Avenida Gastão Vidigal, a principal do bairro, no circuito dos blocos. Os moradores disseram que “a região não é servida por metrô e a extensão da avenida não comporta grandes multidões”. Além disso, “a estrutura de forças de segurança local não comporta eventos dessa magnitude” e “haverá multidões apertadas no calor”, com “barulho, sujeira, urina e vandalismo”, sem falar no cerceamento do direito de ir e vir e no prejuízo ao comércio – que inclui a Ceagesp.

A Prefeitura aparentemente aceitou parte dos argumentos, ao dizer que cancelou o desfile na Avenida Gastão Vidigal “por motivo de organização e otimização dos espaços públicos”. A vitória dos moradores da Vila Leopoldina é um alento para os paulistanos que se sentem destituídos de sua condição de cidadãos durante o carnaval – período no qual, para muitos, a lei e as regras de civilidade deixam de valer.

(Editorial, “Hora do pesadelo”. https://opiniao.estadao.com.br. 16.02.2020. Adaptado)



No editorial, quando se afirma que a Prefeitura não dá o mesmo tratamento a todos os cidadãos, chama-se a atenção para o fato de que a Administração Pública

  • A vem aceitando, amiúde, as demandas daqueles que veem com reservas o carnaval, o que implica deixar de lado os cidadãos e turistas que se divertem com essa festa, atitude que pode, inclusive, comprometer os cofres públicos, com diminuição de receita, além do possível desgaste político que esse procedimento implica.
  • B proporciona um evento de grande proporção e alcance, esperado pelos cidadãos do país com ansiedade, não tendo condições, entretanto, de garantir que todos os paulistanos se divirtam durante essa festa popular, coibindo que ela se estenda durante a madrugada e limitando, cada vez mais, os espaços públicos para sua realização.
  • C atende, de forma mais diligente, àqueles que estão envolvidos com a folia de carnaval, preocupada em fortalecer o potencial econômico e turístico desse evento na cidade, deixando em segundo plano a maioria da população paulistana, que fica à mercê dos aspectos negativos da festa, pois não compartilha a diversão.
  • D tem colocado como prioridade os benefícios econômicos e políticos decorrentes dos eventos populares, capitalizando o carnaval como uma festa que serve à diversão do paulistano e dos turistas e passa a integrar a agenda de interesses de grupos altamente comprometidos com o bem-estar da população em geral.
  • E sente dificuldade para valer-se dos seus interesses econômicos para capitalizá-los politicamente, razão pela qual se cria um vácuo nessa gestão de tal forma que nem os foliões paulistanos nem os turistas acabam se divertindo com o carnaval; da mesma sorte, nem aqueles que querem descansar e ser respeitados conseguem isso.