Texto I
Cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza; eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer “infinito”. Assim, opõe-se a esta realização o insuficiente conhecimento de futuro, chamado de esperança no primeiro caso e de dúvida quanto ao amanhã, no segundo. Assim, opõe-se a ela a certeza da morte, que fixa um limite a cada alegria, mas também a cada tristeza. Assim, opõem-se as inevitáveis lides materiais que, da mesma forma como desgastam com o tempo toda a felicidade, desviam a cada instante a nossa atenção da desgraça que pesa sobre nós, tornando a sua percepção fragmentária, e, portanto, suportável.
Foram justamente as privações, as pancadas, o frio, a sede que, durante a viagem e depois dela, nos impediram de mergulhar no vazio de um desespero sem fim. Foi isso. Não a vontade de viver, nem uma resignação consciente: dela poucos homens são capazes, e nós éramos apenas exemplares comuns da espécie humana.
[...]
Das 45 pessoas do meu vagão, só quatro tornaram a ver as suas casas; e o meu vagão foi, de longe, o mais afortunado.
(LEVI, Primo. É isto um homem? Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco, 1988, p.17-18)
Na passagem “Assim, opõe-se a ela a certeza da morte” (1º§), o vocábulo destacado cumpre papel coesivo no texto. Sobre seu emprego, é correto afirmar que:
- A estabelece uma referência ambígua aos termos “esperança” e “dúvida”.
- B cumpre papel anafórico e tem como referente o vocábulo “realização”.
- C antecipa, por meio da catáfora, uma ideia que ainda será apresentada.
- D ilustra um exemplo de elipse contribuindo também para a concisão.