Questão 1 Comentada - Prefeitura Municipal de São Paulo - Analista de Planejamento - Ciências Contábeis - VUNESP (2018)

Leia o texto, para responder à questão.


Cor-de-rosa

O vizinho mandou pintar de cor-de-rosa sua casa, e de azul-claro o beiral e os marcos e folhas das janelas. Esta providência dá margem a algumas divagações, que aqui são transmitidas ao leitor, nosso companheiro.

O ato do vizinho é muito mais importante do que lhe parece a ele. Afirma um sentimento de confiança na civilização mediterrânea, e o propósito de contribuir para que todos nós, residentes ou transeuntes, recuperemos um pouco da beatitude perdida.

Quem pinta hoje sua casa, em vez de negociar-lhe a demolição, cumpre uma cláusula do contrato social, observa a boa lição urbanística e, dentro do rito milenar, satisfaz essa velha tendência do homem a aformosear o quadro de sua existência.

De uns anos para cá as ruas passaram a ser percorridas por elementos suspeitos, que, avaliando em metros quadrados aéreos os terrenos onde se erguem as habitações humanas, logo procuram seus proprietários e lhes propõem botar aquilo no chão.

A aquiescência imediata dos interpelados revela estranha propensão ao suicídio, praticado através da destruição de algo fundamental, como é a casa em que vivemos.

Tendo destruído essa parte do ser, as pessoas transportam os remanescentes para os ossuários erguidos apressadamente no mesmo local, e que se arrumam pelo princípio da superposição de urnas. Aí aguardarão, talvez, até a consumação dos séculos, o dia da ressurreição das casas.

Mas o vizinho reagiu contra essa psicose grupal, e dali sorriem pintadas de rosa as paredes de sua casa.

(Carlos Drummond de Andrade, Fala, amendoeira. Adaptado)




Do ponto de vista do narrador, a pintura da casa do vizinho representa

  • A o senso comum, que prefere priorizar sentimentos arraigados a mudar.
  • B a afirmação do sentimento de preservação de parte fundamental da existência.
  • C o esforço para embelezar a casa, mas com solução de gosto duvidoso.
  • D a falta de perspectiva de modernização do espaço urbano, aferrando-se ao passado.
  • E a tendência à imitação do estilo urbanístico de outras civilizações.