Questão 3 Comentada - Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Minas Gerais - Analista Judiciário - Biblioteconomia - FCC (2015)

Atenção: A questão refere-se ao texto que segue, adaptado de Luciano Martins Costa; o original foi publicadona edição 838 do Observatório da Imprensa, no dia 19/02/2015.

A graça da não-notícia

A leitura crítica dos jornais brasileiros pode produzir momentos interessantes, não propriamente pelo que dizem, mas principalmente pelo que tentam esconder. O hábito de analisar criticamente o conteúdo da mídia tradicional produz calos no cérebro, e eventualmente o observador passa a enxergar não mais a notícia, mas a não-notícia, ou seja, aquilo que o noticiário dissimula ou omite.

Trata-se de um exercício divertido, como se o leitor estivesse desfazendo um jogo de palavras cruzadas já preenchido. É mais ou menos como adivinhar, a partir das palavras que se interconectam num texto, o sentido que o autor pretendeu dar à sua construção, uma espécie de jogo de “interpretação reversa".

Transparece o aspecto ambíguo da imprensa quando, por exemplo, para defender o pluralismo de sua linha editorial, jornais propõem artigos sobre tema da atualidade a serem tratados por dois distintos analistas − "o leitor pode apreciar duas opiniões diferentes". Ocorre que as propostas, normalmente sob a forma de pergunta, são formuladas de modo a garantir a perspectiva de que um ponto de vista se oponha frontalmente ao outro − um analista representa um "sim", o outro um "não" ao que está sendo perguntado pelos editores. Como se vê, a tal “pluralidade” já nasce condicionada, porque a imprensa brasileira quer convencer o leitor de que existem apenas duas interpretações possíveis para questões complexas como as que são postas aos analistas. São complexas, ou, no mínimo, controversas, porque é isso que define uma notícia.

Uma árvore caiu. Por que a árvore caiu? − mesmo num evento corriqueiro e aparentemente banal, há muitas respostas possíveis.

Por que a imprensa brasileira tenta pintar tudo em preto e branco, sem considerar as muitas tonalidades entre os dois extremos? Ora, porque a imprensa faz parte do sistema de poder na sociedade moderna, e exerce esse poder fazendo pender as opiniões para um lado ou para outro, usa o mito da objetividade para valorizar seus produtos e cobra de seus financiadores um custo por esse trabalho.

Mas pode-se elaborar melhor essa análise. O observador arriscaria afirmar que a narrativa jornalística, tal como foi construída ao longo do tempo, já não dá conta de acompanhar a percepção da realidade, amplificada pelo domínio da imagem transmitida globalmente em tempo real. Como notou o filósofo Vilém Flusser, a superfície ínfima da tela substitui o mundo real. O que a imprensa faz é comentar essa superficialidade, não a realidade.

Mas a resposta é ainda mais simples: para ser levado a sério, um jornal precisa dar a impressão de concretude em seu conteúdo, mas, ao se tornar refém do mundo das imagens, produz uma concretude − ou, como diz Flusser, uma “concreticidade” superficial.

Essa superficialidade procura esconder o propósito do conteúdo jornalístico, que não é informar, como pensam os leitores correligionários: é induzir uma opinião específica.

Se tudo é opinião, tudo é não-notícia.



Considerando os parágrafos 5 e 6, em seu contexto, é correto afirmar que o autor

  • A vê o maniqueísmo como algo inerente à prática jornalística no Brasil, produto de um sistema social manipulador que chega a deturpar o valor maior do jornalismo − a objetividade.
  • B não isenta os financiadores da imprensa brasileira pelos desvios que nota na prática jornalística nacional, pois eles aceitam pagar altos custos pelo trabalho encomendado e mal realizado.
  • C indaga Por que a imprensa brasileira tenta pintar tudo em preto e branco [...]?, responde imediatamente com convicção (expressa por Ora) e depois tenta outras formulações para solucionar equívocos da primeira resposta precipitada.
  • D usa a expressão arriscaria afirmar (linha 21) como estratégia, pois, ao revelar consciência de que sua afirmação tem probabilidade de ser refutada, busca minimizar a força das eventuais contestações.
  • E entende que a narrativa jornalística está condenada a não mais atingir os leitores de modo expressivo, na medida em que não há modo possível de abarcar o mundo global.