A Etica da C onveniencia (Em Etica e Vergonha na Cara! Campinas - SP: Papirus 7 Mares, 2014 - Colegao Papirus Debates), trata de dia'ogo entre os autores do texto Mario SSrgio Cortella, Filosofo, Professor da Pontiffoia Universidade Catblica de Sao Paulo - PUC, Palestrante, autor de diversas obras e Clovis de Barros Filho, formado em Direito, Mestre em Ciencia Politica na Universidade de Paris III (Sorbonne-Nouvelle), Doutor, Professor da Universidade de SSo Paulo e Pesquisador e Consultor em etica da Unesco. “ Mario Sergio Cortella - £ impossivel, numa conversa que envolve o tema da corrupgSo, deixar de atrelar a ele a questao do relativismo moral, da etica da conveniencia - “se 6 bom para mim, tudo bem”. Gostaria de iniciar este nosso baie-papo lembrando urn fato que ocorreu no final de 2012, em Navarra, Espanha, e que tomou proporgoes consiceraveis ao ser divulgado. Em uma corrida de cross-country, o queniano Abel Mutai, medalha de outro nos tres mil metros com obsteculos em Londres, estava a pouca distancia da linha de chegada e, confuso com a sinalizagao, parou para posar para fotos pensando que ja havia cumprido a prova. Logo atras vinha outro corredor, o espanhol Ivan Fernandez Anaya. E o que fez ele? Comecou a gritar para que o queniano, ficasse atento, mas este nao entendia que nao havia ainda cruzado a linha de chegada. O espanhol, entao, o empurrou em diregao a vitoria. Bom, afora o ato incrivel de fair play, h£ uma coisa maravilhosa que aconteceu depois. Com a imprensa inteira aii presente, urn jomalista, aproximando o microfone do corredor espanhol, perguntou: "Por que o senhor fez isso?". O espanhol replicou: “Isso o oue?. Ele n§o havia entendido a pergunta - e o meu sonho e que um dia possamos ter um tipo de vida comunitaria em que a pergunta feita pelo jornalista nao seja mesmo entendida pois nao pensou que houvesse outra coisa a ser feita que nao aquilo que ele fez. O jornalista insistiu: "Mas porque o senhor fez isso? Por que o senhor deixou o queniano ganhar?". Eu nao deixei ganhar. Ele ia ganhar". O jornalista continuou: "Mas o senhor podia ler ganho! Estava na regra, ele nao notou...". "Mas qual seria o merito da minha vitoria, qual seria a honra do meu titulo se eu deixasse que ele perdesse?". E continuou, entao, dizendo a coisa mais bonita que eu li envolvendo a questao da etica do cotidiano: "Se eu ganhasse desse jeito, o que ia falar para a minha mae?". Como mae e matriz de vida, fonte de ida, ela e a ultima pessoa que se quer envergonhar. Porque etica tern a ver com vergonha na cara, com decencia, e, repito, a ultima pessoa que se quer envergonhar e a mae. £ curioso, mas ate bandido pode ser prova disso. Por exemplo, ja houve situagdes de assalto a banco com refens em que o sujeito, mesmo com a pollcia toda em volta fazendo o cerco, nao se rende. Al a policia chama a mae dele. Ela chega, com a boisinha no brago, e diz: “Sai daf, meninol". E ele sai. £ por isso que considero essa ideia da matriz do desavergonhar uma coisa extremamente inspiradora para que jamais venhamos a adotar isso a que me referi como etica da convivencia. Voce percebe isso, Clovis? C lovis de Barros Filho - O tempo inteiro. A logica do resultado, da meta e do sucesso acaba se impondo de tal forma que os procedimentos e a maneira de atingir um objetivo acabam sendo sucateados e colocados como uma questao menor. Isso que voce falou, Cortella, a respeito da mae me faz lembrar d'O banquete, de Platao. No primeiro discurso, Fedro diz que, se existisse uma cidade de amantes, ela seria perfeita e indestrutfvel, porque nao ha nada mais vergonhoso do que uma pessoa fugir ou praticar uma atitude indigna diante de alguem que ela ama. Entao, se houvesse mais afetos e mais preocupagao, digamos, em nao desonrar pessoas que nos querem bem, provavelmente teriamos relagoes melhores e uma sociedade melhor. A etica tern de ser tratada por um prisma de paixoes, de emogoes e de sensacoes. Tenho a nltida impressao de que, toda vez que estamos diante de dilemas existenciais, £ muito importante observarmos o duelo entre esperanga e temor. Quer dizer, muitas vezes, temos a esperanga de auferir bons resultados e ate de minimizar custos e esforgos com isso. Entao, de um lado a esperanga e um ganho de pot§ncia a partir de uma situagao imaginada que 6 vantajosa, prazerosa, que 6 boa, enfim. De outro lado, temos o temor, que e justamente o contrario, ou seja, o individuo se apequena diante de uma situagao imaginada, diante de uma consequ£ncia nefasta que possa Ihe acontecer. Muitas das atitudes indignas e desonrosas que observamos acabam sendo a vitoria da esperanga sobre o temor.
O tema central do texto que acabamos de ler é:
- A Afazeres do cotidiano.
- B Corrida de cross-country.
- C Forma de entrevistar dos jornalistas
- D Ética e corrupção.
- E A paisagem no caminho da Universidade.