Hora do pesadelo
O carnaval de rua veio para ficar. O número de blocos autorizados pela Prefeitura de São Paulo a desfilar entre os dias 15 de fevereiro e 1º de março chegou a 644, 180 a mais do que no ano passado. Haverá 678 desfiles em cerca de 400 pontos da cidade. São dados que mostram a potência econômica e turística desse evento para a cidade. Dessa forma, cabe às autoridades competentes cuidar para que um acontecimento dessa magnitude transcorra da maneira mais tranquila possível, não apenas para os milhares de participantes mas também para os que, malgrado não queiram participar da festa, são obrigados a conviver com seus efeitos mais danosos – sejam as interdições que obrigam moradores a alterar drasticamente sua rotina de deslocamentos, seja a incivilidade de muitos dos foliões.
O potencial econômico dos desfiles carnavalescos ajuda a explicar o exponencial crescimento dos blocos e a atração de cada vez mais turistas. Esse gigantismo pode representar ganhos para a cidade, mas é um enorme desafio para a Prefeitura. A julgar pela experiência dos anos anteriores, o ambiente para os foliões tem sido em geral satisfatório. O problema é que a Prefeitura tem sido incapaz de oferecer o mesmo tratamento àqueles – grande maioria – que não estarão nos desfiles. Para estes, o carnaval é a hora do pesadelo, que vem se tornando mais tétrico a cada ano que passa.
Mais blocos e mais desfiles pela cidade significam mais sujeira, mais barulho, mais ruas fechadas. Paulistanos tornam-se reféns dentro de suas próprias casas, tendo de suportar, dia e – principalmente – noite, a algazarra de foliões que estendem a festa até altas horas, fazendo seu carnaval particular em local público.
Ao mesmo tempo que aceita e estimula a expansão do carnaval de rua na cidade, a Prefeitura tem demonstrado escassa capacidade para coibir o comportamento selvagem dos que abusam do direito de se divertir na festa. Mas as vítimas desse descaso começam a reagir.
Um abaixo-assinado de moradores da Vila Leopoldina levou a Prefeitura a desistir de incluir a Avenida Gastão Vidigal, a principal do bairro, no circuito dos blocos. Os moradores disseram que “a região não é servida por metrô e a extensão da avenida não comporta grandes multidões”. Além disso, “a estrutura de forças de segurança local não comporta eventos dessa magnitude” e “haverá multidões apertadas no calor”, com “barulho, sujeira, urina e vandalismo”, sem falar no cerceamento do direito de ir e vir e no prejuízo ao comércio – que inclui a Ceagesp.
A Prefeitura aparentemente aceitou parte dos argumentos, ao dizer que cancelou o desfile na Avenida Gastão Vidigal “por motivo de organização e otimização dos espaços públicos”. A vitória dos moradores da Vila Leopoldina é um alento para os paulistanos que se sentem destituídos de sua condição de cidadãos durante o carnaval – período no qual, para muitos, a lei e as regras de civilidade deixam de valer.
(Editorial, “Hora do pesadelo”. https://opiniao.estadao.com.br. 16.02.2020. Adaptado)
Analisando-se o título do texto, conclui-se corretamente que o editorial foi elaborado para enfatizar a perspectiva
- A dos paulistanos prejudicados pela Prefeitura, que desistiu “de incluir a Avenida Gastão Vidigal no circuito dos blocos”, pontuando-se ao longo dele que o turismo no carnaval paulistano não cresce, apesar dos contínuos estímulos da Prefeitura.
- B das pessoas contrárias à ideia de que o carnaval “vem se tornando mais tétrico a cada ano que passa”, pontuando-se ao longo dele que o carnaval é uma festa popular que deveria ser banida da cidade de São Paulo.
- C da Prefeitura, que está preocupada com “a potência econômica e turística desse evento para a cidade”, pontuando-se ao longo dele que os cidadãos paulistanos suportam o carnaval em razão dos benefícios culturais e econômicos.
- D dos turistas que vão a São Paulo, onde os desfiles “significam mais sujeira, mais barulho, mais ruas fechadas”, pontuando-se ao longo dele que as festas populares, como o carnaval, ano a ano, expõem os cidadãos à violência.
- E dos paulistanos “que se sentem destituídos de sua condição de cidadãos durante o carnaval”, pontuando-se ao longo dele que a Prefeitura de São Paulo estimula um evento de grande proporção que não tem como gerir plenamente.