Febre de liquidação
Passo em frente da vitrine. Observo um paletó quadriculado, uma calça preta e duas camisas polo, devidamente acompanhados de um cartaz discreto anunciando a “remarcação”. Fujo apressadamente pelos labirintos do shopping. Tarde demais, fui fisgado. Mal atinjo as escadas rolantes, inicio o caminho de volta. O coração badala como um sino. A respiração ofegante. São os primeiros sintomas da febre por liquidação, que me ataca cada vez que vejo uma vitrine com promessas sedutoras.
Atravesso as portas da loja, farejo em torno, com o mesmo entusiasmo de um leão vendo criancinhas em um safári. No primeiro momento, tenho a impressão de que entrei numa estação de metrô. A febre já atingiu a multidão. Os vendedores, cercados, parecem astros da Globo envoltos pelos fãs. Dou duas cotoveladas em um dos rapazes com ar de executivos e peço o tal paletó. O funcionário explica que só tem determinado número. Minto:
— Acho que é o meu.
Ele me observa, incrédulo. É dois algarismos menor, mas quem sabe? Acho que emagreci 100 gramas na última semana. Experimento. Não fecha. Respiro fundo e abotoo. Assim devem ter se sentido as mulheres com espartilho. Gemo, quase sem voz:
— Está um pouquinho apertado.
— É o maior que temos — diz, cruel.
Decido. Vou levar, apesar da barriga encolhida. O vendedor arregala os olhos. Explico:
— Estou fazendo regime. No ano que vem vai caber direitinho. De qualquer maneira, só poderia usá-lo no próximo inverno. É de lã pesada, e está fazendo o maior calor. Só de experimentar fiquei suando. [...]
Concordo que fui precipitado em comprar uma roupa para quando estiver magro, só para aproveitar o preço. Meu regime dura oito anos, sem resultados visíveis.
Desabafo com uma amiga naturalista, que vive apregoando um modo de vida mais simples, sem muitas posses. Ela me aconselha: Não compre mais nada. Resista. Aprendi muito quando passei a viver apenas com o necessário. Revela, com ar culpado:
— Sabe, na minha fase consumista, juntei roupa para 150 anos.
No primeiro parágrafo do Texto I, o autor descreve o momento em que o personagem sente que não há mais como voltar atrás e evitar a sua entrada em uma das lojas do shopping.
O trecho que descreve esse momento é:
- A “Passo em frente da vitrine”. (L. 1)
- B “Observo um paletó quadriculado, uma calça preta e duas camisas polo”. (L. 1-2)
- C “Fujo apressadamente pelos labirintos do shopping”. (L. 4-5)
- D “Tarde demais, fui fisgado”. (L. 5-6)
- E “São os primeiros sintomas da febre por liquidação”. (L. 8-9)