Resumo de Direitos Humanos - Especificidades dos direitos humanos

Características dos direitos humanos

Os direitos humanos atualmente se encontram em posição central dos ordenamentos jurídicos, funcionando não só como paradigma de validade dos atos estatais e particulares, mas também com instrumento de pulverização da cultura de respeito aos valores essenciais à dignidade humana.

Vale dizer, a posição de centralidade dos direitos humanos nas democracias constitucionais é verdadeiro instrumento de transformação social e de construção de uma sociedade mais justa, solidária, inclusiva e igualitária. Contudo, a centralidade não surgiu “de pronto”, tampouco já veio acabada. Foi, ao contrário, fruto de importantes amadurecimentos teóricos e de reações a graves violações de direitos humanos, especialmente aquelas levadas a cabo pelo positivismo puro e pelos regimes fascista e nazista.

No direito internacional, as atrocidades da Segunda Guerra Mundial exigiram a reconstrução e a internacionalização do respeito à dignidade humana. Houve muito claramente uma quebra de paradigma, pois antes as relações internacionais preocupavam-se em demasia com questões de governabilidade e relações interestatais, ao passo que o segundo pós-guerra engendrou a ascensão dos direitos humanos em documentos internacionais, com a grande preocupação internacional na promoção e proteção da dignidade humana.

A centralidade dos direitos humanos não está, contudo, acabada. Há um longo caminho a percorrer para consagrarmos a efetividade dos direitos previstos (tanto no Brasil como no mundo). Também há longo caminho para protegermos, inclusive normativamente, os novos grupos vulneráveis que se apresentam, como vemos, por exemplo, com a gravíssima crise migratória e as violações à dignidade dos refugiados da guerra da Síria, assim como os refugiados do caos social e econômico vivenciado na Venezuela.

Assim, se a centralidade dos direitos humanos é uma afirmação teórica e metodológica inquestionável, infelizmente a efetividade prática e o respeito dos seus consectários não o é. Por isso, é essencial que a aplicação do direito e das leis sempre se dê conforme os direitos humanos.

Função contramajoritária

A vontade da maioria, para não incorrer em risco de tornar-se instrumento de opressão, de abusos e violações de direitos, deve invariavelmente respeitar a singularidade e a dignidade de cada indivíduo, considerando-os sempre como um fim em si mesmos – valendo-se, aqui, da relevante contribuição kantiana por nós já abordada nesta unidade.

A advertência quanto aos perigos de sucumbir às “vontades majoritárias” não é despropositada ou exclusivamente teórica. O legado histórico das atrocidades promovidas em nome de maiorias, ocasionais ou não, deve trazer consigo o sentimento de responsabilidade e de proteção dos direitos das minorias e dos indivíduos singularmente considerados. Apenas para exemplificar, basta lembrar do holocausto e da morte de cerca de seis milhões de judeus pelo Estado nazista; o massacre da etnia tutsi em 1994, em Ruanda, que vitimou cerca de 800 mil pessoas em menos de 100 dias; ou o atual genocídio do povo Rohingya em Myanmar, minoria étnica muçulmana cujos indivíduos sequer são reconhecidos como cidadãos.

É intuitivo, pois, que as minorias e os grupos não hegemônicos (ainda que possam ser numericamente superiores) têm dificuldade para garantir o respeito aos seus direitos e pontos de vista, mas é aí que os direitos humanos surgem como relevante instrumento de promoção da dignidade minoritária, com o escopo de influenciar nas arenas políticas e judiciais para proteger os direitos daqueles grupos mais vulneráveis.

A qualidade contramajoritária dos direitos humanos se revela, por conseguinte, tanto na proteção dos direitos como na promoção de novas interpretações, em busca da tolerância e emancipação social, notadamente em face de posições tradicionais (com viés cultural, social ou mesmo religioso) das maiorias.

Como bem ilustrado por André de Carvalho Ramos, no Brasil surgem debates de intensa importância para as minorias: a luta pela criminalização da homofobia e proteção das minorias sexuais; a luta pela superação da anistia e punição de militares envolvidos em violações graves de direitos humanos na época da ditadura militar no Brasil; as ações afirmativas de afrodescendentes e outros grupos vulneráveis; o voto de todos os presos provisórios são alguns exemplos. Essa consolidação de direitos não deve ser somente a “conta-gotas”; o autor também incluir nesse rol a liberdade de expressão em prol da descriminalização das drogas; a criminalização do aborto; a eliminação de símbolos católicos em tribunais e repartições públicas de Estado pretensamente laico, entre outros temas (RAMOS, 2017).

Sendo assim, a função contramajoritária dos direitos humanos se mostra essencial às democracias modernas, como forma de contenção dos comportamentos majoritários na medida em que violem a dignidade dos outros indivíduos, bem como para possibilitar verdadeira emancipação de grupos vulneráveis.

Abertura dos direitos humanos

A abertura dos direitos humanos consiste na possibilidade de expansão do rol dos direitos e valores essenciais à promoção e proteção da dignidade humana. Por isso diz-se que os direitos humanos gozam dos atributos da não exaustividade ou inexauribilidade, justamente porque acompanham os avanços e retrocessos da humanidade, sempre buscando formas de proteger a pessoa humana e sua dignidade. A abertura dos direitos humanos pode se dar nacional ou internacionalmente. A abertura internacional se constata com a edição de novos tratados internacionais ou por meio de avanços na proteção internacional dos direitos humanos. Já a abertura nacional faz-se presente por meio da inclusão de novos direitos fundamentais/humanos no ordenamento (como a inclusão do direito à moradia, por meio da EC nº 64/2010), bem como na interpretação evolutiva e ampliativa dos tribunais nacionais (RAMOS, 2017).

A abertura no constitucionalismo atual brasileiro fica muito clara com o § 2º do art. 5º da CF/1988, que de forma inédita consagrou a estipulação de que os direitos previstos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados (abertura nacional) e em tratados internacionais de que o Brasil seja parte (abertura internacional).

A abertura, por conseguinte, se relaciona com a fundamentalidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico, pois novos direitos podem e devem surgir para atender às necessidades sociais e à dignidade humana. A propósito, obtempera André de Carvalho Ramos que os direitos humanos possuem uma “fundamentalidade formal”, já que previstos em normas constitucionais e em tratados de direitos humanos, bem como uma “fundamentalidade material”, que reside no reconhecimento da indispensabilidade de determinados direitos para a promoção da dignidade humana (RAMOS, 2017).

6.4. Superioridade normativa

As normas de direitos humanos (tanto aquelas previstas exclusivamente em tratados internacionais como aquelas também positivadas no direito interno, as últimas por muitos chamadas de normas de direitos fundamentais) gozam, geralmente, de estatura constitucional. São, por conseguinte, hierarquicamente superiores às demais normas do ordenamento jurídico, sendo inclusive algumas delas consideradas imutáveis: por exemplo, cláusulas pétreas do art. 60, § 4º, inciso IV, CF/1988.

A ampla abertura do ordenamento jurídico interno às normas de direitos humanos também é bem constatada com os §§ 2º e 3º do art. 5º da CF/1988. Assim, a adoção dos tratados e convenções sobre direitos humanos no Brasil também permite a atribuição de status constitucional (ou melhor, de equivalência a emendas constitucionais) ou supralegal às normas, a depender do quórum de aprovação do texto.

Já no direito internacional, é relevante mencionar a existência de normas imperativas em sentido estrito (cogentes ou de jus cogens), assim consideradas aquelas que contenham valores essenciais para a comunidade internacional como um todo. Por tal motivo, tais normas gozam de superioridade normativa no confronto com as demais normas e documentos internacionais.