Direito à Vida e à Saúde
O direito à saúde tem caráter social, de modo que, para ser efetivado, demanda prestações positivas do Estado, por meio de políticas públicas. Sua previsão está no art. 6º da CF/1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015.)
Também encontra previsões mais detalhadas nos arts. 196 e seguintes da CF/1988.
Hoje, a saúde é considerada para além da ideia de ausência de doença, compreendendo também o bem-estar físico, psíquico, social e no trabalho.
Embora seja um direito que depende de políticas públicas para sua efetivação, ele pode ser pleiteado no Judiciário, uma vez que todos os direitos fundamentais têm aplicação imediata. Diante da inefetividade que muitas vezes observamos no âmbito dos direitos sociais, são inúmeras as demandas desses em ações judiciais. Isso resulta no chamado ativismo judicial, em que o Judiciário, independentemente de previsões orçamentárias e políticas públicas, concede direitos aos que os pleiteiam. Contudo, existe um limite para esse ativismo, marcado pela “reserva do possível”, segundo o qual só poderia o Judiciário conceder aqueles pedidos que correspondam ao mínimo que um cidadão pode exigir do Estado, tendo por norte a razoabilidade. Essa ideia de reserva do possível deve, entretanto, ser balizada pelo mínimo existencial, ao qual muitos cidadãos não têm acesso.
Especificamente quanto às crianças e adolescentes, observamos a previsão do art. 7º do ECA:
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (Grifos nossos.)
A efetivação de direitos sociais das crianças e adolescentes demanda um nível maior de eficácia, de modo que as políticas públicas e os recursos públicos terão preferência quando voltados a eles. Assim, existem inclusive previsões específicas relacionadas ao direito à saúde, como o art. 11, § 2º, do ECA:
§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas necessidades específicas. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
Saúde da mulher, planejamento reprodutivo e atendimento adequado e humanizado à gestante
O art. 8º do ECA dispõe que:
Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009.)
§ 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação de privação de liberdade. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do pré-natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de pré-natal, bem como da puérpera que não comparecer às consultas pós-parto. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 10 Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
Com essa previsão, o ECA reconhece a importância da família desde o nascimento. Entende-se que a saúde da mãe reflete na vida da criança, de modo que deve haver uma preocupação mesmo antes do parto.
A Lei nº 13.257/2016, que versa sobre a primeira infância, incluiu inúmeras disposições para ampliar a proteção da mulher ainda que ela não seja mãe, uma vez que se garante o direito ao planejamento reprodutivo. É, portanto, reafirmado o posicionamento de que gravidez e nascimento da criança devem partir de decisões racionais e livres da mulher. Já durante a gravidez, a ela é assegurado o direito à nutrição adequada, a orientações sobre a alimentação da criança, sobre o estímulo para que tenha seu desenvolvimento integral e, ainda, o direito ao parto natural cuidadoso. Nesse sentido, busca-se proteger a família antes mesmo de a criança nascer, para que seja recebida em um ambiente sadio.
Para além disso, recentemente a Lei nº 13.798/2019 instituiu a semana nacional de prevenção à gravidez na adolescência, por meio da inclusão do art. 8ª-A no ECA.
Art. 8º-A Fica instituída a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a ser realizada anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência. (Incluído pela Lei nº 13.798, de 2019.)
Parágrafo único. As ações destinadas a efetivar o disposto no caput deste artigo ficarão a cargo do poder público, em conjunto com organizações da sociedade civil, e serão dirigidas prioritariamente ao público adolescente. (Incluído pela Lei nº 13.798, de 2019.)
Aleitamento materno
O art. 9º do ECA trata do aleitamento materno:
Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade.
§ 1º Os profissionais das unidades primárias de saúde desenvolverão ações sistemáticas, individuais ou coletivas, visando ao planejamento, à implementação e à avaliação de ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno e à alimentação complementar saudável, de forma contínua. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 2º Os serviços de unidades de terapia intensiva neonatal deverão dispor de banco de leite humano ou unidade de coleta de leite humano. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
A Lei nº 13.257/2016, preocupada com a primeira infância, também trouxe importantes disposições concernentes ao aleitamento materno, alterando o art. 9º supracitado. Por essas previsões, devem ser realizadas ações sistemáticas, individuais ou coletivas para promover, proteger e apoiar o aleitamento materno, além da alimentação complementar saudável.
É também obrigatório que conste no serviço de terapia intensiva neonatal um banco de leite humano. A CF/1988, em seu art. 5º, L, também trata do aleitamento, especificamente no que concerne às mães encarceradas:
Art. 5º (...)
L – às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;
Esse direito, voltado às mães que cumprem medidas privativas de liberdade, dá-se, sobretudo, tendo em mente que as crianças não podem sofrer as consequências de um ato praticado por suas genitoras, decorrente da responsabilidade pessoal da pena.
Para além disso, recentemente foi editada a Lei nº 13.872/2019, garantindo o direito de as mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos na administração pública direta e indireta dos Poderes da União.
Portanto, esta normativa se aplica apenas para concursos federais. Ainda, menciona que os filhos deverão contar com até seis (meses) de idade no dia da realização da etapa do concurso.
Deverá haver prévia solicitação à instituição organizadora.
A prova da idade do infante deverá se dar por meio de mera declaração no ato da inscrição para o certame, bem como apresentação de declaração de nascimento no dia da realização do respetivo ato.
Por fim, a criança deverá ir acompanhada por pessoa que permanecerá em sala separada durante todo o certame, podendo a mãe amamentar durante 30 minutos a cada duas horas, sendo compensados os períodos de amamentação no tempo de realização da prova, vale dizer, não serão computados como tempo de prova.
Obrigações de hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde das gestantes
Dispõe o art. 10 do ECA:
Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:
I – manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos;
II – identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente;
III – proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais;
IV – fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato;
V – manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe.
VI – acompanhar a prática do processo de amamentação, prestando orientações quanto à técnica adequada, enquanto a mãe permanecer na unidade hospitalar, utilizando o corpo técnico já existente. (Incluído pela Lei nº 13.436, de 2017.)
A primeira obrigação desses estabelecimentos encontra-se no inciso I e discorre a respeito da manutenção de registros pelo prazo de 18 anos. As demais obrigações estão ligadas à identificação da criança (para evitar a troca de crianças), ao procedimento de exames (para diagnosticar eventuais anormalidades), orientações aos pais e ao fornecimento de declaração de nascimento.
Existe também a obrigação de possibilitar a permanência da criança junto à mãe, devendo ainda promover um acompanhamento quando da amamentação. Se essas obrigações forem descumpridas, temos os arts. 228 e 229 do ECA, que preveem a tipificação penal:
Art. 228. Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, declaração de nascimento, onde constem as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato: Pena – detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo: Pena – detenção de dois a seis meses, ou multa.
Art. 229. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de identificar corretamente o neonato e a parturiente, por ocasião do parto, bem como deixar de proceder aos exames referidos no art. 10 desta Lei:
Pena – detenção de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Se o crime é culposo:
Pena – detenção de dois a seis meses, ou multa.
Sistema Único de Saúde
A partir das diretrizes presentes no art. 198 da CF/1988, criou-se o Sistema Único de Saúde (SUS), por meio do qual se busca promover a igualdade de assistência à saúde da população. Todos podem ser atendidos nesse sistema, sem a cobrança de qualquer valor.
Especificamente quanto às crianças e adolescentes, têm eles acesso integral ao SUS, conforme dispõe o caput do art. 11 do ECA que diz:
Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Complementando a ideia apresentada, o art. 14 do ECA prevê obrigações específicas ao SUS voltadas às crianças e adolescentes:
Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.
§ 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 2º O Sistema Único de Saúde promoverá a atenção à saúde bucal das crianças e das gestantes, de forma transversal, integral e intersetorial com as demais linhas de cuidado direcionadas à mulher e à criança. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 3º A atenção odontológica à criança terá função educativa protetiva e será prestada, inicialmente, antes de o bebê nascer, por meio de aconselhamento pré-natal, e, posteriormente, no sexto e no décimo segundo anos de vida, com orientações sobre saúde bucal. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 4º A criança com necessidade de cuidados odontológicos especiais será atendida pelo Sistema Único de Saúde. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
§ 5º É obrigatória a aplicação a todas as crianças, nos seus primeiros dezoito meses de vida, de protocolo ou outro instrumento construído com a finalidade de facilitar a detecção, em consulta pediátrica de acompanhamento da criança, de risco para o seu desenvolvimento psíquico. (Incluído pela Lei nº 13.438, de 2017.)
Como se pode observar no artigo supracitado, são estipuladas obrigações específicas ao SUS, como a vacinação de crianças e a atenção à saúde bucal, iniciada já na fase pré-natal. Também é obrigatório o cuidado quanto ao desenvolvimento psíquico da criança, nos primeiros 18 meses de vida.
Criança e adolescente com deficiência
O art. 11 do ECA, em seus §§ 1º e 3º, traz disposições específicas voltadas ao atendimento de crianças e adolescentes com deficiência:
Art. 11. (...)
§ 1º A criança e o adolescente com deficiência serão atendidos, sem discriminação ou segregação, em suas necessidades gerais de saúde e específicas de habilitação e reabilitação. (...) (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.) (...)
§ 3º Os profissionais que atuam no cuidado diário ou frequente de crianças na primeira infância receberão formação específica e permanente para a detecção de sinais de risco para o desenvolvimento psíquico, bem como para o acompanhamento que se fizer necessário. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016.)
Dessa forma, crianças e adolescentes com deficiência não podem ser discriminados ou segregados quando de seu atendimento voltado à saúde, sendo ainda assegurado a eles o direito à educação, capacitação, preparação para o emprego e oportunidades de lazer. O principal no que diz respeito a pessoas com deficiência, hoje, é a inclusão e a redução de barreiras na sociedade, para que possam ter acesso a tudo o que estiver disponível na sociedade.
Ampliando e especificando esses direitos, temos o Estatuto da Pessoa com Deficiência, editado em 2015, na Lei nº 13.146. O § 2º do art. 11 do ECA, por sua vez, garante o direito a medicamentos gratuitos, próteses e outros recursos necessários às crianças e adolescentes com deficiência. Esse direito, contudo, muitas vezes padece de inefetividade, o que resulta em inúmeras demandas judiciais.
Internação de crianças e adolescentes
O art. 12 do ECA assegura a crianças e adolescentes o direito a acompanhante em caso de eventual internação promovido pelo SUS.
Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde, inclusive as unidades neonatais, de terapia intensiva e de cuidados intermediários, deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016.) (Grifos nossos.)
Esse direito se mostra uma previsão específica para crianças e adolescentes, uma vez que não há precedente semelhante para adultos. Isso se dá justamente pela concepção de que são pessoas em desenvolvimento, em que a presença dos pais tem importante papel.
Vale ressaltar que o “responsável”, previsto no artigo supracitado, faz referência a tutores, curadores e guardiões, sendo uma expressão de amplo alcance.