A justiça de transição (justice transitional) é aquela situada no contexto da passagem de um regime autoritário para um regime democrático, buscando o confronto após abusos e violência com futuro de esperança e respeito aos direitos humanos. Trata-se do conjunto de mecanismos (judiciais e não judiciais) destinados a enfrentar o legado de violência em massa cometida no passado, para o fim de responsabilizar os culpados e exigir a efetividade especialmente dos direitos à memória, à verdade e à justiça (MAZZUOLI, 2017).
O Conselho de Segurança da ONU definiu quatro práticas para lidar com o regime de exceção. A doutrina costuma chamar essas facetas de dimensões da justiça de transição, sendo elas:
a) direito à memória e à verdade;
b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares);
c) o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado;
d) a reforma das instituições para a democracia.
Não obstante, a construção da história democrática de diversos países mostrou que um dos principais elementos para a justiça de transição foi a edição de leis de (auto)anistia, tal como ocorreu no Brasil, que editou a Lei nº 6.683/1979. Percebeu-se, nessa toada, que as referidas leis tinham o propósito de livrar de reprimenda penal aqueles que cometeram crimes em nome da ditadura militar, como tortura, execução, desaparecimento forçado, sequestro e terrorismo de Estado.
A Lei de Anistia brasileira, ao estabelecer que os crimes conexos aos crimes políticos estavam igualmente anistiados, bem como os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, alargou a definição “crimes conexos” para conceder autoanistia disfarçada àqueles agentes do Estado cujos crimes cometidos não eram propriamente políticos ou conexos a estes (como tortura, execução, desaparecimento forçado etc.).
Resta patente, pois, que tais leis de autoanistia promulgadas pelo Estado devem ser consideradas inválidas e contrárias ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos.
Aliás, esse é o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que firmou tal posicionamento ao julgar os casos “Barrios Altos”, “Almonacid Arellano” e “La Cantuta”.
Muito embora o STF (ADPF nº 153) tenha se posicionado acerca da compatibilidade da Lei de Anistia brasileira com a CF/1988, cumpre frisar que, em 24 de novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o Caso Gomes Lund e outros versus Brasil, também chamado de Caso Guerrilha do Araguaia, no qual o tribunal internacional entendeu que a Lei de Anistia brasileira era contrária à CADH. Realizou-se, portanto, o controle internacional de convencionalidade da lei indigitada.
Dentre as diversas e importantes determinações e disposições da sentença da Corte no caso, vale destacar a determinação de que o Estado brasileiro realizasse a tipificação do delito de desaparecimento forçado, promovesse a indenização às vítimas e criasse a Comissão da Verdade, para investigar e fazer conhecer toda a verdade sobre os fatos ocorridos no período da ditadura militar.
Dessa forma, criou-se por meio da Lei nº 12.528/2011 a Comissão Nacional da Verdade (CNV) no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988 (conforme o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT), com o objetivo de efetivar o direito à memória e à verdade histórica, além de promover a reconciliação nacional.