Os direitos humanos são dotados de particularidades próprias, as quais a doutrina busca concretizar e sistematizar por meio de adjetivações, ou, como costumamos ver, por meio de características. Importante ressaltar, ainda, que não há rol taxativo, tampouco uniformidade doutrinária, sobre quais e quantas são as características dos direitos humanos.
A despeito disso, estudaremos doravante as características dos direitos humanos mais recorrentes em doutrina e já exigidas em provas e concursos.
Historicidade
Os direitos humanos são fruto de processo histórico, ou seja, seu surgimento é verificado com o passar do tempo e em momentos históricos distintos. A compreensão dos direitos humanos como fruto de conquistas históricas se distancia da tese de que se estes seriam direitos naturais.
Cabe registrar, ainda, que a historicidade dos direitos humanos é expansiva, caminha sempre no sentido de ampliar a proteção à pessoa, de reconhecer novos direitos, não se admitindo a supressão de direitos já reconhecidos na ordem jurídica; tal prática constituiria verdadeiro consectário da proibição do retrocesso (“efeito cliquet”).
Universalidade
A universalidade pode ser compreendida em duas acepções: a primeira como inexistência de discriminações entre as pessoas, de sorte que os direitos humanos incidem sobre todas as pessoas; e a segunda como abrangência territorial (transnacionalidade), o que importa na proteção da dignidade humana independente de limitações territoriais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos bem avulta a universalidade dos direitos humanos, pois enuncia direitos comuns a todos os homens pelo simples fato de possuírem a condição humana, de sorte que não faz distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa.
Não obstante, não podemos negar que as diversidades socioculturais existentes no mundo nos fazem, ao menos, (re)pensar a dita universalidade dos direitos humanos. Esse debate envolvendo as particularidades culturais em face da universalidade dos direitos humanos é, sem dúvida, um dos pontos mais instigantes e polêmicos da proteção internacional aos direitos humanos.
A polêmica em pauta visa responder à questão sobre serem os direitos humanos propriamente universais, ou, ao contrário, relativos, caso em que cederiam ao que estabelecem os sistemas políticos, econômicos, culturais e sociais vigentes em cada Estado (MAZZUOLI, 2017).
A doutrina relativista sustenta, basicamente, que os meios culturais e morais de determinada sociedade devem ser respeitados, ainda que em detrimento da proteção dos direitos humanos nessa mesma sociedade. Para eles, a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que estão relacionados às especificidades circunstanciais de cada sociedade. Não há moral universal, já que a história do mundo é a história de uma pluralidade de culturas (PIOVESAN, 2015).
Para contrapor o relativismo cultural ora visto, vale analisarmos uma importante acepção do universalismo dos direitos humanos, encontrada em concepção multicultural dos direitos humanos proposta por Boaventura de Sousa Santos. Nesse esteio, no debate entre o universalismo e o relativismo cultural, destaca-se a sua visão em defesa de uma concepção multicultural de direitos humanos, inspirada no diálogo entre as culturas, a compor um multiculturalismo emancipatório. Para Boaventura, o multiculturalismo é precondição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo (PIOVESAN, 2015).
Deveras, a compreensão das diversidades e diferenças entre as culturas e a aplicação dos direitos humanos deve ceder espaço a uma concepção multicultural dos direitos humanos, que pode ser atingida por meio da técnica da hermenêutica diatópica, como forma de permitir a interpretação da diversidade no contexto do diálogo intercultural, assimilando e aceitando as diferenças entre as culturas. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, pois, atingir a completude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé em uma cultura e outro, em outra (PIOVESAN, 2015).
Em suma, Boaventura defende a necessidade de superar o debate sobre o universalismo e o relativismo cultural por meio da transformação cosmopolita dos direitos humanos. Porque todas as culturas possuem concepções distintas de dignidade humana, mas são incompletas, haver-se-ia que aumentar a consciência dessas incompletudes culturais mútuas, como pressupostos para um diálogo intercultural.
Indivisibilidade
A indivisibilidade reside no reconhecimento de que todos os direitos humanos possuem a mesma proteção jurídica, vez que essenciais para a vida digna. Impõe-se reconhecer, portanto, a inexistência de hierarquia entre os direitos humanos.
Os direitos humanos compõem um único conjunto de direitos que não podem ser analisados de maneira isolada, mas devem ser perquiridos de maneira sistemática. Não basta, assim, garantir um direito humano e abrir mão de outro; não basta escolher uma das dimensões e esquecer da defesa das demais; não basta a preservação dos direitos individuais em detrimento da efetividade dos direitos coletivos (OLIVEIRA; LAZARI, 2018).
Não exaustividade
A não exaustividade consiste na abertura dos direitos humanos, isto é, na possibilidade de expansão dos direitos necessários para uma vida digna, consolidando-se sua não exauribilidade, sendo o rol de direitos previstos na Constituição e em tratados meros exemplos.
Por vezes essa característica é tratada em doutrina como “inexauribilidade”, no sentido de que os direitos humanos têm possibilidade de expansão, pois a eles podem ser acrescidos outros e novos direitos a qualquer tempo (MAZZUOLI, 2017), inclusive na forma apregoada pelo § 2º do art. 5º, da CF/1988 (“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”).
Relatividade
A relatividade traduz a ideia de que os direitos humanos podem sofrer limitações, não se afigurando absolutos. A restrição aos direitos humanos, entretanto, deve ser regrada e acautelada, não podendo ser exercida em desacordo com os parâmetros expressos e implícitos da Constituição da República (a própria faculdade de limitar direitos é restrita, consoante à teoria dos limites da limitação), além de dever atender ao critério da proporcionalidade.
Também é assente em doutrina que a possibilidade de relativização dos direitos humanos surge da necessidade de adequá-los a outros valores coexistentes na ordem jurídica, mormente quando se entrechocam, avultando a pertinência de se relativizar e harmonizar os bens jurídicos ou valores em colisão (BARRETTO, 2017).
Imprescritibilidade, inalienabilidade e indisponibilidade
Os direitos humanos são imprescritíveis porque não se perdem pelo decurso do tempo; são inalienáveis porquanto estão fora do comércio, sendo impossível se atribuir dimensão pecuniária ao próprio direito; e são indisponíveis, pois o titular do direito humano não pode abrir mão de sua condição humana e dispor da proteção à sua dignidade.