Questão 79 Comentada - Advocacia Geral da União (AGU) - Advogado da União - CESPE (Cebraspe) (2023)

A Convenção da Organização das Nações Unidas contra a Corrupção regulamenta, de maneira detalhada, os mecanismos de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos derivados de condutas de corrupção transnacional. A respeito da recuperação e partilha de ativos ilícitos nos termos da citada convenção, assinale a opção correta
  • A A referida convenção reconhece a discricionariedade das autoridades estatais para determinar eventual retomo dos ativos solicitados por outros Estados. 
  • B Os Estados-partes da citada convenção têm a obrigação de restituir integralmente os ativos derivados de corrupção aos Estados de origem dos recursos, independentemente de serem recursos públicos. 
  • C  A referida convenção, apesar de ser um tratado celebrado no século XXI, ainda permite que seus Estados-partes neguem o atendimento a pedidos de assistência judicial internacional, caso a conduta não seja considerada crime nos países envolvidos. 
  • D A referida convenção estabelece um amplo regime de cooperação jurídica internacional em matéria penal, de modo que seus Estados-partes devem valer-se de ações penais para alcançar os objetivos do tratado.
  • E  A referida convenção estabelece, expressamente, um amplo rol de medidas que podem ser adotadas via cooperação internacional, incluídas desde medidas tradicionais, como a extradição, até as adotadas mais recentemente, como a transferência de execução da pena e a transferência de processo penal. 

Gabarito comentado da Questão 79 - Advocacia Geral da União (AGU) - Advogado da União - CESPE (Cebraspe) (2023)

Vejamos cada uma das assertivas, de acordo com a referida Convenção:

Letra A - Errada
Artigo 57 
1. Cada Estado Parte disporá dos bens que tenham sido confiscados conforme o disposto nos Artigos 31 ou 55 da presente convenção, incluída a restituição a seus legítimos proprietários anteriores, de acordo com o parágrafo 3 do presente Artigo, em conformidade com as disposições da presente Convenção e com sua legislação interna.
2. Cada Estado Parte adotará, em conformidade com os princípios fundamentais de seu direito interno, as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para permitir que suas autoridades competentes procedam à restituição dos bens confiscados, ao dar curso a uma solicitação apresentada por outro Estado Parte, em conformidade com a presente Convenção, tendo em conta os direitos de terceiros de boa-fé.
3. Em conformidade com os Artigos 46 e 55 da presente Convenção e com os parágrafos 1 e 2 do presente Artigo, o Estado Parte requerido:
a) Em caso de malversação ou peculato de fundos públicos ou de lavagem de fundos públicos malversados aos quais se faz referência nos Artigos 17 e 23 da presente Convenção, restituirá ao Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco de acordo com o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base da sentença firme ditada no Estado Parte requerente, requisito ao qual poderá renunciar o Estado Parte requerido;
b) Caso se trate do produto de qualquer outro delito compreendido na presente Convenção, restituirá ao Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco de acordo com o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base de uma sentença firme ditada no Estado Parte requerente, requisito ao qual poderá renunciar o Estado Parte requerido, e quando o Estado Parte requerente acredite razoavelmente ante o Estado Parte requerido sua propriedade anterior dos bens confiscados ou o Estado Parte requerido reconheça os danos causados ao Estado Parte requerente como base para a restituição dos bens confiscados;
c) Em todos os demais casos, dará consideração prioritária à restituição ao Estado Parte requerente dos bens confiscados, à restituição desses bens a seus proprietários legítimos anteriores ou à indenização das vítimas do delito. [...]".

Letra B - Errada
Artigo 57
"3. Em conformidade com os Artigos 46 e 55 da presente Convenção e com os parágrafos 1 e 2 do presente Artigo, o Estado Parte requerido:
a) Em caso de malversação ou peculato de fundos públicos ou de lavagem de fundos públicos malversados aos quais se faz referência nos Artigos 17 e 23 da presente Convenção, restituirá ao Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco de acordo com o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base da sentença firme ditada no Estado Parte requerente, requisito ao qual poderá renunciar o Estado Parte requerido;
b) Caso se trate do produto de qualquer outro delito compreendido na presente Convenção, restituirá ao Estado Parte requerente os bens confiscados quando se tenha procedido ao confisco de acordo com o disposto no Artigo 55 da presente Convenção e sobre a base de uma sentença firme ditada no Estado Parte requerente, requisito ao qual poderá renunciar o Estado Parte requerido, e quando o Estado Parte requerente acredite razoavelmente ante o Estado Parte requerido sua propriedade anterior dos bens confiscados ou o Estado Parte requerido reconheça os danos causados ao Estado Parte requerente como base para a restituição dos bens confiscados;
c) Em todos os demais casos, dará consideração prioritária à restituição ao Estado Parte requerente dos bens confiscados, à restituição desses bens a seus proprietários legítimos anteriores ou à indenização das vítimas do delito".

Letra C - Correta
Artigo 46
"21. A assistência judicial recíproca poderá ser negada:
a) Quando a solicitação não esteja em conformidade com o disposto no presente Artigo;
b) Quando o Estado Parte requerido considere que o cumprimento da solicitação poderia agredir sua soberania, sua segurança, sua ordem pública ou outros interesses fundamentais;
c) Quando a legislação interna do Estado Parte requerido proíba suas autoridades de atuarem na forma solicitada relativa a um delito análogo, se este tiver sido objeto de investigações, processos ou ações judiciais no exercício de sua própria competência;
d) Quando aquiescer à solicitação seja contrário ao ordenamento jurídico do Estado Parte requerido no tocante à assistência judicial recíproca.
22. Os Estados Parte não poderão negar uma solicitação de assistência judicial recíproca unicamente por considerarem que o delito também envolve questões tributárias.
23. Toda negação de assistência judicial recíproca deverá fundamentar-se devidamente".

Além disso, o art. 46.9, "b" permite expressamente que o Estado negue-se a prestar assistência, quando não houver dupla incriminação da conduta. Observe: "b) Os Estados Partes poderão negar-se a prestar assistência de acordo com o presente Artigo invocando a ausência de dupla incriminação. Não obstante, o Estado Parte requerido, quando esteja em conformidade com os conceitos básicos de seu ordenamento jurídico, prestará assistência que não envolva medidas coercitivas. Essa assistência poderá ser negada quando a solicitação envolva assuntos de minimis ou questões relativas às quais a cooperação ou a assistência solicitada estiver prevista em virtude de outras disposições da presente Convenção";

Letra D - Errada
O art. 47 da Convenção prevê o enfraquecimento de ações penais: "Os Estados Partes considerarão a possibilidade de enfraquecer ações penais para o indiciamento por um delito qualificado de acordo com a presente Convenção quando se estime que essa remissão redundará em benefício da devida administração da justiça, em particular nos casos nos quais intervenham várias jurisdições, com vistas a concentrar as atuações do processo".

Letra E - Errada
Apesar de ter sido apresentada de maneira dúbia, a afirmativa pode ser considerada errada, pois apesar de a Convenção indicar algumas medidas que podem ser adotadas para fins de cooperação internacional, como a extradição (art. 44), translado de pessoas condenadas a cumprir uma pena (art. 45), assistência judicial recíproca (art. 46), dentre outras, não há menção expressa à transferência de processo penal.