Questão 1 Comentada - Prefeitura de Rodrigues Alves-2 - Técnico Educacional - Prova DECORP (2025)

Leia o texto e responda à questão.

“O Crime do Padre Amaro” (1875)


A tarde estendia-se luminosa sobre Leiria quando a velha ama de Amaro, desembainhando lamentos, apertava-lhe o braço no desembarque da diligência. O ar cheirava a ervas secas, e a poeira da estrada colava-se às abas do chapéu do jovem sacerdote recém-nomeado à paróquia provincial.

Amaro, de vinte e seis anos, trajava batina engomada, mas o olhar — risonho e ligeiramente ansioso — vagava entre as torres da Sé e as janelas baixas das casas térreas, onde donzelas curiosas espiavam, fingindo abanar tapetes. Trazia na bagagem poucos livros de moral, alguma roupa de linho e um espelho de bolso no qual, antes da partida, ajeitara o topete castanho. A seu redor, falatórios: a diligência trouxera cartas, encomendadas, um caixeiro franzino e as novidades da Corte.

À porta da estalagem, aguardava-o o cônego Dias, gordo, respirando com esforço. Abraçou o moço, chamou-o “meu filho”, e logo se pôs a enumerar as famílias influentes da cidade, detendo-se, com benigno sorriso, na casa da senhora D. Joaneira — “excelente paroquiana, viúva devota, mãe da formosa Amélia”. Amaro ouviu, cabeça baixa, mas o rubor ligeiro que lhe subiu às faces denunciava, talvez, curiosidade pouco sacerdotal.

Instalado no quarto sombrio da pensão, abriu a janela escorada em gonzos incertos e deparou, no edifício fronteiro, com a varanda florida da tal Amélia. Não a viu de pronto, mas percebeu o rumor de risos femininos que lhe chegavam como convite morno. Fechou a cortina depressa, fez o sinal-da-cruz e sentou-se à escrivaninha, disposto a reler o Imitatio Christi; todavia, enquanto folheava o livro, a imagem de um sorriso que ainda não vira insistia em ocupar-lhe o espírito.


Pouco depois, no jantar, encontrou-se com D. Joaneira e a filha. A moça, em vestido de musselina clara, inclinou-se para recolher guardanapo caído; o gesto, simples, descobriu-lhe o colo branco. Amaro, sem querer, seguiu-lhe o movimento. Sentiu leve tontura, engoliu em seco e murmurou, aflito, que precisava tomar ar. Saiu para o pátio enlareirado, onde a noite nascente trazia cheiro de jasmim e o canto monótono de um grilo. Ali, encostado à parede úmida, meditou nos perigos do mundo: “Vim servir a Deus, mas eis que a carne me espia antes mesmo da primeira missa”, pensou.

Daquele instante até o desfecho trágico que a posteridade comentaria, muito se passaria — mas, naquela tarde primeira, já pareciam traçados os contornos de uma paixão destinada a concorrer, pari passu, com os deveres sagrados do sacerdócio.


Fonte: QUEIRÓS, Eça de. O crime do padre Amaro. Porto: Tipografia Acadêmica, 1875. (Adaptado)



Ao pensar “Vim servir a Deus, mas eis que a carne me espia antes mesmo da primeira missa”, Amaro revela:

  • A Seu desapego total às tentações da vida cotidiana.
  • B Consciência clara de um conflito moral entre desejo e vocação religiosa.
  • C Que estava arrependido por ter aceitado o sacerdócio.
  • D Que não compreendia bem as responsabilidades religiosas.

Gabarito comentado da Questão 1 - Prefeitura de Rodrigues Alves-2 - Técnico Educacional - Prova DECORP (2025)

A alternativa correta é B. A fala de Amaro evidencia uma percepção aguda do conflito interno entre seus votos religiosos e os desejos humanos. A expressão "servir a Deus" refere-se à sua vocação e compromisso clerical, enquanto "a carne me espia" é uma metáfora clássica para a tentação carnal e os apetites mundanos. A conjunção adversativa "mas" estabelece uma oposição direta entre esses dois elementos, demonstrando que o personagem tem plena consciência dessa tensão moral, e não uma simples...

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