Questão 104 Comentada - Procuradoria Geral da República (PGR) - Procurador da República - PGR (2022)

EM MATÉRIA DE DIREITO PENAL, INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, É ENTENDIMENTO DA 2ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MPF QUE: (ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA)
  • A Nas normas de certas etnias, a prática de magia negra é passível de morte e esquartejamento do feiticeiro, e quem executa esse sancionamento pode não reconhecer ter feito algo proibido pela sociedade envolvente, razão pela qual, comprovado por laudos técnicos que o executor se trata de integrante uma comunidade tradicional, descabe a incidência da nossa norma penal, pois ela não alcança a pretendida função motivadora, tampouco alcançaria qualquer fim preventivo, geral ou especial, a imposição de uma pena.
  • B O reconhecimento de que os povos indígenas são culturalmente diferenciados, e que procuram permanecer como tal, é circunstância traduzível no campo jurídico, pois muitas de suas aspirações encontram espaço nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, bem como em regulamentações internacionais, mas sem que se possa admitir a existência ou a licitude de um sistema punitivo próprio nessas comunidades tradicionais, distinto do sistema penal da sociedade envolvente.
  • C Ainda que as comunidades indígenas tradicionais tenham um elevado nível de comunicação com a sociedade envolvente, por intermédio do qual se poderia concluir pelo conhecimento da proibição e seus efeitos de certas ações, os diferentes sistemas de valores éticos e culturais importam na consideração de que tais ações, tidas como normais e aceitáveis dentro do grupo a que pertencem os seus autores, descaracterizam o erro de proibição ou o erro de conhecimento culturalmente condicionado.
  • D A imperiosa necessidade de se resguardar manifestações punitivas de certas etnias, quando praticadas dentro da coletividade e nos limites da aldeia, em nada impede que a incidência da norma penal da sociedade envolvente, visto que isso sequer representaria uma indesejável ofensa aos meios próprios de aplicação do direito penal indígena.

Gabarito comentado da Questão 104 - Procuradoria Geral da República (PGR) - Procurador da República - PGR (2022)

Todas as assertivas possuem trechos do voto n. 4873/2021, no qual a 2ª CCR do MPF homologou o arquivamento de um homicídio de indígena praticante de "magia negra". 

"2. Consta do relato que no dia 01/06/2015 um indígena morreu em um suposto afogamento e que após os pais da vítima consultarem ao Pajé, ao Capitão, ao Cacique e Lideranças da aldeia, a morte dele foi atribuída a feitiçaria que o adolescente teria feito. Isso ocasionou a sua morte com fundamento no ritual da “pajelança braba”, visto que ele era apontado como “pajé brabo” ou feiticeiro, devendo ser executado pela comunidade respectiva em razão da prática de magia negra, que é a única conduta passível de pena de morte (Informação Técnica n. 002/2016/FUNAI)

7. Conforme disposto pelo Procurador da República oficiante, “o reconhecimento de que os povos indígenas são culturalmente diferenciados, e que procuram permanecer como tal, é traduzido no campo jurídico, pois muitas de suas aspirações encontram espaço nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais e em regulamentações internacionais. Assim, os índios de acordo com seus usos e costumes, aplicam sanções aos que transgridem as normas de convivência estabelecidas pelo grupo a que pertencem, observadas certas particularidades decorrentes de seu modo de vida, tradições e crenças. Trata-se de uma das formas de expressão do direito ao autorreconhecimento”. (...)

13. “Ainda que as comunidades indígenas tenham um elevado nível de comunicação com a sociedade envolvente, com base no qual se poderia concluir pelo conhecimento da proibição e de seus efeitos, os diferentes sistemas de valores éticos e culturais importam na consideração de que aquela conduta é normal e aceita dentro do grupo a que pertencem, impedindo que a norma seja internalizada.

14. Os que praticaram a conduta ora relatada não reconhecem ter feito algo proibido – e pautado pelo reconhecido constitucional do autorreconhecimento realmente não o fizeram [erro do fim do item B]. Para eles a norma penal não alcança a pretendida função motivadora, tampouco alcançaria qualquer fim preventivo, geral ou especial, a imposição de uma pena. 

15. Além da imperiosa necessidade de resguardar a manifestação cultural da etnia, praticada dentro da coletividade, nos limites da aldeia, em diversas passagens do procedimento investigatório criminal fica claro que qualquer ato de investigação judicial tendente a apurar os fatos, representa indesejável ofensa aos meios culturais de aplicação da justiça e encontrará expressiva resistência dos indígenas.