Comunicavam-se nascimentos em pequenos anúncios no jornal. Crianças andavam de bicicleta no meio da rua, não havia condomínios fechados. Sabíamos os números de telefone de cor – de avós, primos, amigos. Pagávamos as contas com dinheiro vivo, a não ser valores maiores, quando usávamos cheque. Se não quiséssemos que o cheque fosse descontado no caixa do banco, fazíamos dois riscos no canto da folha e quem o recebia era obrigado a depositá-lo, o que nos dava tempo até a compensação.
Telefonávamos para conversar e combinar encontros. Enviavam-se cartas pelo correio, que chegavam ao destino semanas depois. E usava-se o telegrama para notícias urgentes. “Pai hospital volte logo.” Suprimiam-se preposições, pronomes: se pagava por palavra.
Viajar de avião era um evento. Serviam farta comida e bebida durante os voos. Fumava-se dentro da cabine. Aos 13, meninos e meninas já tinham dado sua primeira tragada. Saída de colégio era um fumódromo. Festivais de música e torneios esportivos eram patrocinados por fabricantes de cigarros.
Parece mentira, mas há documentos, testemunhos, sobreviventes: era assim mesmo. Quem viveu isso lembra com saudade, mas sem perder o juízo: voltar no tempo, nem pensar. Evoluímos. Se antes varríamos para baixo do tapete os preconceitos e a alienação, hoje temos informação instantânea e escutamos a voz de todos, graças à revolução digital. Seria maravilhoso se fizéssemos bom uso dessa conexão progressista, mas o ser humano é craque em estragar tudo. Por ganância e irresponsabilidade de alguns, ficará cada vez mais difícil perceber o que parece mentira e o que parece verdade. Já que a desinformação produz ainda mais poder e dinheiro, seremos transformados em consumidores de falsidades e habitaremos um planeta sem alma, totalmente manipulado. Crise mundial de confiança. E a solidão se expandirá.
Não sou de fazer drama, mas dá vontade de enviar um telegrama para aqueles poucos cujo telefone ainda sei de cor: “Faça as malas embarque imediato montanhas.”
(Martha Medeiros. Telegrama para você. Disponível em: https://oglobo.globo.com, 26.01.2025. Adaptado)
Assinale a alternativa em que o trecho destacado estabelece relação de sentido de causa no contexto em que foi empregado.
- A “Pagávamos as contas com dinheiro vivo, a não ser valores maiores, quando usávamos cheque.” (1o parágrafo)
- B “Parece mentira, mas há documentos, testemunhos, sobreviventes: era assim mesmo.” (4o parágrafo)
- C “Quem viveu isso lembra com saudade, mas sem perder o juízo…” (4o parágrafo)
- D “Por ganância e irresponsabilidade de alguns, ficará cada vez mais difícil perceber o que parece mentira e o que parece verdade.” (4o parágrafo)
- E “… dá vontade de enviar um telegrama para aqueles poucos cujo telefone ainda sei de cor...” (5o parágrafo)