Questões de Corte Interamericana de Direitos Humanos (Direitos Humanos)

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Segundo dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Minas Gerais é o segundo estado brasileiro que mais registrou feminicídios no país. Em 2022, foram 171 mortes, o que significa um aumento de 9,9% em relação a 2021, o qual contava com 155 registros de feminicídios. A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), responsável por criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, dispõe sobre a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar. Ela dialoga com outros marcos normativos que abordam a violência de gênero.

A respeito da violência de gênero e da discriminação por gênero, assinale a alternativa incorreta.

  • A A interseccionalidade é um dos elementos essenciais à defesa adequada da mulher em situação de violência e é corroborada pelo conceito de discriminação múltipla ou agravada, a qual é prevista na Convenção Interamericana Contra o Racismo, a Discriminação Racial e as Formas Correlatas de Intolerância. A interseccionalidade demonstra que há diversos fatores de vulnerabilidades que podem se sobrepor em uma questão de violência de gênero (como a idade, a etnia, ser pessoa com deficiência, ser mulher periférica, ser imigrante, grau de dependência econômica etc.), em conjunto com outros fatores estruturais para além do patriarcado (como a pobreza, o acesso à instrução formal – escolaridade) que criam diferentes graus de desigualdades em uma questão que, a princípio, envolveria “apenas” a violência de gênero. Além disso, observa-se que o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero é obrigatório desde março de 2023 e, por conseguinte, a atuação do(a) defensor(a) público(a) em um processo do direito de família (direito de guarda e visitas, por exemplo) deve observar a existência ou não de uma situação de violência de gênero de modo interseccional, além do referido protocolo de julgamento de gênero, independentemente do polo (ativo ou passivo) defendido pelo(a) defensor(a) público(a).
  • B O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica, manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses, sendo, também, direito da mulher em situação de violência, o acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta.
  • C Ao analisar o caso Maria da Penha, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Brasil a multiplicação do número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher, devidamente dotada de recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação das denúncias de violência doméstica, o que demonstra a inconvencionalidade de políticas públicas que ignorem ou reduzam o número de delegacias policiais especializadas na defesa da mulher, sem prejuízo da inconstitucionalidade da referida política pública reducionista, também fundamentado no princípio da vedação do retrocesso.
  • D Para a atuação da Defensoria Pública na defesa da mulher, é imprescindível que as ferramentas extrajudiciais de atuação em rede e de educação em direitos, de forma dialógica, estejam presentes, bem como as análises e abordagens sobre a questão do patriarcado como causas e como padrões de comportamento na cultura brasileira que levam aos altos índices de feminicídios, por exemplo. Assim, os deveres primordiais do(a) defensor(a) na atuação da Lei Maria da Penha não se esgotam nas solicitações judiciais.
  • E A Lei Maria da Penha protege mulheres em situação de violência, podendo ser o agressor homem ou mulher, ou seja, ela protege mulheres que estejam em um relacionamento homoafetivo. Entretanto, até o momento, não há decisão dos tribunais superiores em relação à aplicação da citada lei às mulheres transgênero, o que caracteriza violação ao objetivo 5 da agenda 2030 da ONU.

De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é correto afirmar que:

  • A A discriminação contra a mulher no Brasil é exacerbada pelas disparidades regionais, econômicas e sociais; não está baseada no sexo e no gênero, nem a outros fatores como a raça, a origem étnica, a religião ou as crenças, a saúde, a condição jurídica e social, a idade, a classe, a casta, a orientação sexual e a identidade de gênero.
  • B Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, não há mais base legal para prisão civil do devedor de alimentos e do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna.
  • C O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão.
  • D No que diz respeito ao Estado brasileiro, os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam incorporados ao ordenamento interno por vontade do Poder Executivo, manifestada pelo Presidente da República, dispensam prévia aprovação do Poder Legislativo, no que se consagra, assim, a independência entre o Executivo e o Legislativo.
  • E No que diz respeito ao treaty-making power na Constituição brasileira de 1988, para que os tratados e convenções internacionais sejam incorporados ao ordenamento interno, a competência ad referendum do Congresso Nacional não se limita à aprovação ou rejeição do texto, admitindo-se a apresentação de emendas por meio de decreto legislativo, no que se consagra a função de controle e fiscalização dos atos do Poder Executivo.

Segundo a normativa, doutrina e jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), relativamente à determinação das vítimas de violações de direitos humanos e respectivas reparações:

  • A a Corte Interamericana de Direitos Humanos adota uma abordagem clássica à questão, nos moldes do posicionamento da Corte Europeia de Direitos Humanos, no sentido de que reparações por violações de direitos humanos devem ser concedidas a vítimas diretas da violação;
  • B a reparação “por danos ao projeto de vida” da vítima tem como fundamento o desenvolvimento espiritual da pessoa, considerando que o espírito é a finalidade suprema da existência humana e a sua máxima categoria;
  • C os destinatários das reparações concedidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos devem ser individualizados e nomeados, sejam eles vítimas diretas ou indiretas ou membros de uma coletividade;
  • D a chamada “reparação por restituição” se esgota no pagamento de compensação pecuniária adequada e justa, apta a compensar danos materiais e imateriais;
  • E no âmbito da “reparação por reconstrução” não está incluída a obrigação estatal de prover a reparação judicial pela ofensa, mas medidas destinadas a demonstrar que o Estado leva em consideração o sofrimento das vítimas, como promover a localização dos restos mortais da vítima fatal.

Márcia Barbosa de Souza, estudante, negra, com 20 anos de idade, residente na cidade de Cajazeiras, no interior do Estado da Paraíba, com parcas condições socioeconômicas, foi violentamente morta, em 1998, por um deputado estadual da Paraíba, que chegou a ser condenado por homicídio e ocultação de cadáver, antes de vir a falecer, depois de um longo processo criminal levado a cabo apenas no ano de 2007.
Submetido o caso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos apontou para o fato de que, durante toda a investigação e o processo penal, o comportamento e a sexualidade de Márcia Barbosa passaram a ser um tema de especial atenção, provocando a construção de uma imagem da vítima como geradora ou merecedora do ocorrido, concluindo pela necessidade de julgamentos com perspectiva de gênero, como obrigação estatal de garantir acesso à justiça.
Segundo a doutrina e jurisprudência dos sistemas global e regional de direitos humanos, é correto afirmar que:

  • A uma postura ativa de desconstrução e superação dos vieses e uma busca por decisões que levem em conta as diferenças e desigualdades históricas podem comprometer a imparcialidade da julgadora ou do julgador;
  • B o Comitê CEDAW das Nações Unidas destacou que se deve assegurar maior credibilidade aos argumentos e depoimentos das mulheres, como testemunhas, de forma a se eliminarem os estereótipos;
  • C os estereótipos distorcem as percepções e dão lugar a decisões baseadas em crenças preconcebidas e mitos, mas não impactam na avaliação dos fatos, que devem ser avaliados conforme o conjunto probatório de forma objetiva;
  • D a ideia de que há neutralidade nos julgamentos informados pela universalidade dos sujeitos é suficiente para gerar parcialidade;
  • E a defensora pública ou o defensor público deve combater a parcialidade da julgadora ou julgador, mas não lhe cabe monitorar a neutralidade de todos os sujeitos do processo nos julgamentos em que se coloca uma questão de gênero.

À luz do controle de convencionalidade, assinale a alternativa CORRETA:
I. O exame do sistema interamericano de direitos humanos indica que o Brasil não é parte da maioria dos tratados existentes, ocasionando condenações reiteradas do País na Corte IDH, devido à ausência de proteção adequada.
II. A aferição de convencionalidade sponte sua pelo Ministério Público materializa-se nas provocações de terceiros interessados, surgindo, daí, o poder-dever relacionado ao controle de legislação interna atentatória aos tratados que possuam estatura supralegal ou constitucional.
III. O controle de convencionalidade é realizável pelo Ministério Público, figurando, dentre os meios para o exercício desse controle, o arquivamento do inquérito policial e a celebração de compromisso de ajustamento de conduta no inquérito civil.
IV. A aderência do Brasil à Corte IDH, por meio do Decreto Legislativo nº 89/1998, confere plausibilidade jurídica ao diálogo entre Cortes.

  • A Apenas os itens II e IV são verdadeiros.
  • B Apenas os itens I e II são verdadeiros.
  • C Apenas os itens III e IV são verdadeiros.
  • D Apenas os itens II e III são verdadeiros.