Resumo de Direitos Humanos - Natureza jurídica da Declaração Universal dos Direitos Humanos

O principal problema da Declaração Universal dos Direitos Humanos é que ela não foi aprovada como um tratado, mas como uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. Dessa forma, o presente documento, aprovado com forma de resolução, inicialmente, não é vinculante. Assim, teve início a discussão sobre a natureza jurídica da Declaração Universal dos Direitos Humanos, momento em que se formaram quatro correntes.

1ª Corrente: A primeira delas entendeu que a Declaração Universal é vinculante, porque é uma interpretação autêntica da Carta da ONU (um tratado, que por sua vez é vinculante). Além disso, a Carta adota o princípio dos Direitos Humanos e a declaração nada mais faz do que interpretar o conceito que está previsto na Carta. Nesse aspecto, a primeira corrente que se formou foi a da interpretação autêntica, uma vez que a Declaração Universal interpreta o conceito de direitos humanos previstos na Carta das Nações Unidas.

2ª Corrente: Determina que a Declaração Universal é uma norma consuetudinária (ou costumeira) internacional, porque, quando esta foi aprovada, várias constituições e tratados, bem como os Tribunais, começaram a fazer referência à Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo considerada, portanto, um documento vinculante, apesar de não ser um tratado, reconhecendo se tratar de normas costumeiras.

3ª Corrente: Defende que a declaração, apesar de não ser um tratado, é uma norma que se coloca acima de todas as outras do Direito Internacional. É um documento dotado de superioridade hierárquica, que somente pode ser derrogado ou modificado por normas da mesma natureza. Dessa maneira, a Declaração Universal consagra normas jus cogens.

4ª Corrente: Afirma que a Declaração Universal Direitos Humanos é norma de soft law, ou seja, a declaração, formalmente, é uma resolução e não há como tentar mudar esse aspecto. Todavia, esse documento tem uma força persuasiva muito grande, mesmo sendo uma norma soft law com grau reduzido de cogência, em relação ao grau de imperatividade dos tratados internacionais. A tendência da doutrina no Brasil é afirmar que a Declaração é vinculante, adotando a ideia da interpretação autêntica da carta e o seu costume internacional. Essa corrente é defendida por André de Carvalho Ramos e Flavia Piovesan.

O jurista Eugênio Aragão, que já foi examinador do MPF e Ministro da Justiça, tem um artigo que defende a natureza soft law da declaração, embora admita que dentro da declaração, do ponto de vista material, existem alguns direitos que têm natureza de norma jus cogens, mas, de forma geral, a declaração tem natureza soft law. Inclusive, quando o professor Eugênio Aragão foi examinador, essa questão foi cobrada e a resposta, em prol da natureza soft law.

Esse problema referente à forma da declaração (resolução da Assembleia Geral da ONU) não passou despercebido pelos doutrinadores, juristas e responsáveis pela política internacional. A partir de então, percebeu-se a necessidade de codificar os Direitos Humanos, ou seja, dar uma forma jurídica vinculante, fazendo-se necessário aprovar aqueles direitos inscritos na Declaração Universal, não como resolução, mas como um tratado. Assim surgiu a necessidade de codificação e de expressá-los em tratados internacionais, dos direitos humanos, previstos na declaração. Ainda, verificou-se a necessidade de criação de um sistema de monitoramento, ou seja, um sistema de fiscalização dos direitos humanos para garantir efetividade. Mesmo tendo sido notadas tais dificuldades, surgiram outros entraves, a exemplo da Guerra Fria, dificultando a codificação dos direitos da declaração, vez que, de um lado, havia o bloco capitalista, e de outro, o socialista. O bloco capitalista requeria um tratado somente com direitos de primeira geração, que são os direitos civis e políticos, sem direitos sociais, ao passo que o bloco socialista-comunista almejava um tratado apenas com direitos sociais e nenhuma liberdade. Esse foi um impasse que gerou grandes dificuldades.

Cumpre destacar que também havia questões técnico-jurídicas, porquanto a implementação dos direitos civis e políticos, de forma geral, é diversa da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. No primeiro caso, basta que o Estado não interfira na vida do indivíduo, ao passo que o segundo envolve uma prestação estatal, recursos para fornecimento de educação, saúde, previdência social etc., surgindo, por conseguinte, dúvidas a respeito da previsão de todos esses direitos em um só documento solene.

Em relação ao sistema de monitoramento, também houve dificuldades, porque os países socialistas não apoiavam a ideia de um Tribunal fiscalizando o cumprimento dos direitos humanos, vez que a ideia para o sistema de monitoramento envolve justamente a criação de um Tribunal Internacional que fiscalizasse e apurasse a responsabilidade dos Estados por violações dos direitos humanos.

Assim, restou evidente a dificuldade política e jurídica relacionada à criação de um tratado geral de direitos humanos. No entanto, utilizou-se uma saída conciliatória: resolveu-se pela aprovação de dois tratados. Dessa forma, em vez de apenas um documento com todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, resolveram aprovar um tratado sobre direitos civis e políticos e outro com os restantes.

No aspecto do sistema de monitoramento, decidiu-se pela não criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos, mas, sim, de comitês técnicos, responsáveis por apurar relatórios e, eventualmente, queixas. Dessa forma, procurou-se adotar um caminho neutro, por meio da aprovação de dois Pactos de Nova York, em 1966: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.