Resumo de Direitos Humanos - Incorporação dos tratados internacionais

Incorporação de tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro (EC n.º 45)

O Brasil adotou o sistema dualista moderado, ou seja, para que as normas internacionais tenham vigência no âmbito interno, é necessário que elas passem por um processo de incorporação, culminando no decreto do presidente da República – somente após esse ato é que o tratado passa a ter vigência no âmbito interno da ordem jurídica brasileira.

Nesse esteio, em relação à incorporação de tratados internacionais à ordem jurídica interna, cumpre esclarecer que se trata de procedimento complexo, o qual envolve uma sucessão de atos e que somente se aperfeiçoa com o ato de promulgação do texto. Dessa forma, podemos sistematizar as etapas de internalização dos tratados internacionais:

a) Assinatura do tratado, de competência do presidente da República – nos termos do inciso VIII do art. 84 da Constituição Federal (CF/1988), o presidente da República possui competência privativa para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, que estão sujeitos a referendo do Congresso Nacional.

b) Aprovação do Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo – conforme dispõe o art. 49, inciso I, da CF/1988, é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

c) Ratificação e depósito do tratado, de competência do presidente da República – é o ato pelo qual o Estado, após reexaminar um tratado assinado, confirma seu interesse em concluí-lo e estabelece, no âmbito internacional, o seu consentimento em obrigar-se por suas normas. É a aceitação definitiva do acordo.

d) Promulgação na ordem interna, por meio de decreto executivo do presidente da República – trata-se de procedimento adicional para que o tratado possa ser invocado no âmbito interno. É o decreto que promulga o acordo e o publica, ordenando seu cumprimento em todo o território nacional e dando-lhe a chamada vigência interna.

A Constituição brasileira e os tratados internacionais de direitos humanos

De início, vale mencionar que a CF/1988 ostenta significativa abertura para se comunicar com outros direitos previstos internacionalmente, na medida em que o texto constitucional dispõe que os direitos e garantias nela previstos não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 2º).

Art. 5º (...)

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Nesse esteio, cumpre mencionar que os tratados internacionais, para que se apliquem

ao ordenamento jurídico interno, devem observância a uma sequência de atos de incorporação (acima mencionados), findos os quais, será o documento promulgado e recebido como lei ordinária federal.

Entretanto, em relação aos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, sua disciplina constitucional foi alterada por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, passando a constar do texto constitucional que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (art. 5º, § 3º, CF/1988). Por conseguinte, os tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento na forma acima referida gozam de status de emenda à Constituição.

Assim, existem dois dispositivos do art. 5º da CF/1988 que tratam dessa questão de incorporação em relação aos direitos humanos, que são os parágrafos primeiro e terceiro.

CF/1988, art. 5º (...)

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.)

A Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (incorporada pelo Decreto nº 6.949/2009) e o Tratado de Marraqueche, que visa à facilitação do acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso (incorporado pelo Decreto nº 9.522/2018), foram aprovados na forma do § 3º do art. 5º da CF/1988, de sorte a possuir status equivalente a emendas constitucionais.

A incorporação dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos ao direito brasileiro

Vimos que os tratados internacionais são incorporados ao ordenamento jurídico com o caráter de lei ordinária federal, bem como que os tratados de direitos humanos incorporados na forma do § 3º do art. 5º da CF/1988 tem status equivalente às emendas constitucionais, conforme redação dada pela EC nº 45/2004.

Mas o que ocorre com os tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento antes da vigência da EC nº 45/2004 ou que não tenham atingido o quórum qualificado previamente mencionado?

A despeito da grande divergência doutrinária atinente ao status normativo e posição hierárquica dos tratados sobre direitos humanos não incorporados na forma do § 3º do art. 5º, Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 466.343/SP, firmou o entendimento de que os tratados internacionais sobre direitos humanos desse jaez (seja por terem sido incorporados ao ordenamento antes da EC nº 45/2004, seja por não observarem o quórum exigido pelo referido § 3º) possuem natureza de norma supralegal, porém, infraconstitucional.

O entendimento se baseou no especial tratamento conferido aos tratados de direitos humanos pelo texto constitucional, de sorte que, conquanto não se lhes possa atribuir caráter de emenda constitucional se não aprovados na forma do § 3º do art. 5º da CF/1988 (sob pena de negar vigência ao texto), deve-se reconhecer em seu favor o atributo da supralegalidade, notadamente diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais.

Muito importante!

Cumpre observar, por fim, que autores como Flávia Piovesan e Antônio Augusto Cançado Trindade divergem da orientação firmada pelo STF, pois entendem que o § 2º do art. 5º da CF/1988 concede a natureza constitucional a todos os tratados de direitos humanos. Argumentam os defensores da tese mencionada que não haveria, entre os direitos constantes dos tratados e os constantes do texto constitucional, diferença hierárquica, mas tão só diferença do instrumento no qual estão positivados: uns positivados no texto da Constituição, outros positivados no texto dos tratados, mas todos possuindo a mesma força normativa.

Nessa linha de intelecção, eles defendem o chamado efeito direto, que já existe na União Europeia, no qual alguns tratados internacionais possuem essa característica no direito interno. Nesse aspecto, quando os tratados internacionais de direitos humanos entram em vigor no âmbito internacional, também podem ser aplicados, desde logo, no âmbito interno. Essa é a tese de Flávia Piovesan, que extrai a ideia do artigo 5º, § 1º, da CF/1988; a jurista defende que não faz sentido aguardar um decreto, que é um ato unilateral e unipessoal do presidente da República, para que se tenha vigência no âmbito interno, pois o tratado internacional de direitos humanos já vincula o Brasil internacionalmente. Todavia, essa tese (do efeito direto), não é aceita pelo STF, conforme se depreende dos julgados na Carta Rogatória nº 8.279 e na ADI nº 1.480 MC/DF, nos quais o STF reafirma que o Brasil adotou a corrente dualista moderada e que, portanto, todos os tratados dependem do decreto presidencial para serem incorporados ao direito brasileiro.

Nesse contexto, os tratados internacionais de direitos humanos não foram ressalvados pelo STF. Diante disso, depreende-se que essa é a prática do direito brasileiro, pois todos os tratados, inclusive os que versam sobre direitos humanos, apenas são considerados incorporados depois do decreto do presidente da República. Ainda, o art. 5º, § 3º, da CF/1988, acrescenta uma fase no processo de incorporação dos tratados quanto aos tratados internacionais de direitos humanos, sendo possível que estes sejam submetidos ao rito das emendas constitucionais, ou seja, votação em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, aprovados por 3/5 dos membros. Nesse caso, nem todos os tratados internacionais de direitos humanos submetem-se a esse rito, mas aqueles que o forem terão status de emenda constitucional.

O art. 5º, § 2º, da CF/1988, indica que:

Art. 5º

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (Grifos nossos.)

Cumpre observar que nas Constituições anteriores, especialmente na Constituição de 1967, não havia a última parte do artigo referente aos “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Essa cláusula é chamada de abertura para os direitos humanos, ou cláusula de recepção dos direitos humanos na Constituição.

Assim, conforme a interpretação de Flavia Piovesan, esses tratados de direitos humanos são incorporados ao catálogo dos direitos e garantias fundamentais da CF/1988, e é por isso que ela defende a hierarquia constitucional de todos os tratados de direitos humanos.