Resumo de Direitos Humanos - Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

É órgão tanto da OEA como da CADH, ou seja, a Comissão atua tanto em relação aos Estados que são partes da OEA, que não são partes da CADH (atuam com base na Declaração), quanto atua para fiscalizar os direitos da Convenção, em relação aos Estados signatários. Por isso, afirma-se que a Comissão IDH é um órgão bifronte. Nem todos os estados da OEA são signatários da CADH.

A Comissão IDH é composta de sete membros, eleitos a título pessoal pela Assembleia Geral da OEA, que deverão ser pessoas de alta autoridade moral e de reconhecido saber em matéria de direitos humanos, nos termos da CADH, art. 34.

Os comissários são eleitos pela Assembleia Geral da OEA, para mandato de quatro anos, com a possibilidade de uma recondução. Ainda, vale frisar que “não pode fazer parte da Comissão mais de um nacional de um mesmo Estado” (CADH, art. 37, item 2).

Funções

A Comissão IDH tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos, conforme art. 41 da CADH.

No exercício do seu mandato, a Comissão IDH tem também as seguintes funções e atribuições (CADH, art. 41):

a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;

b. formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando o considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos;

c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções;

d. solicitar aos governos dos Estados-membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;

e. atender às consultas que, por meio da Secretária-geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados-membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que eles lhe solicitarem;

f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e

g. apresentar um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Para o correto exercício das funções da Comissão IDH, vale esclarecer que a CADH (art. 43) determina que os Estados proporcionem todas as informações que lhes forem solicitadas, notadamente no que diz respeito à maneira pela qual o respectivo direito interno assegura a efetiva aplicação das disposições constantes da CADH.

Competência

A competência da Comissão IDH conta com previsão na Carta da OEA e também na própria CADH, uma vez que esse importante órgão ostenta dúplice natureza – de órgão da OEA e de controle/aplicação do Pacto de São José da Costa Rica.

Assim, conforme art. 106 da Carta da OEA, a Comissão tem como “função promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e servir como órgão consultivo da Organização em tal matéria”. Em regulamentação à Carta, o próprio Estatuto da Comissão dispôs competir ao órgão: a) promover estudos e capacitação em direitos humanos; b) criar relatorias especiais de direitos humanos em temas ou países; c) receber petições de vítimas de violação de direitos humanos (RAMOS, 2014, p. 339).

Outrossim, nos termos da CADH, é competência da Comissão IDH: a) receber petições de vítimas, recomendar reparação de danos aos Estados e, caso não cumprida a reparação, tendo o Estado infrator reconhecido a jurisdição da Corte Interamericana, encaminhar o caso à Corte; b) solicitar opiniões consultivas; c) atuar nos processos perante a Corte Interamericana como custos legis (RAMOS, 2014, p. 339).

Feitas essas observações, vale esclarecer que duas importantíssimas competências da Comissão se destacam entre as demais: o recebimento de petições individuais e de comunicações interestatais denunciando casos de violações de direitos humanos. A competência para recebimento de petições individuais conta com previsão no art. 44 do Pacto de São José, estabelecendo que “qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte”.

A comunicação (ou petição) individual deve observar determinados requisitos, os quais se encontram no art. 46 da CADH. Nós os analisaremos no subtema seguinte, ao tratarmos do processo perante a Comissão IDH.

As comunicações interestatais, por sua vez, encontram-se previstas no art. 45 da CADH, dispondo o texto convencional no item 1 que “todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece a competência da Comissão para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue haver outro Estado Parte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção”.

Importante notar que a competência da Comissão IDH para receber denúncias formuladas pelos Estados (comunicações interestatais) tem natureza facultativa, dependendo da declaração expressa do Estado no sentido de reconhecer a competência do órgão para esse mecanismo fiscalizatório.

Outrossim, vimos que essa exigência não existe para os casos de petições individuais de pessoas, grupos de pessoas ou entidade não governamental; logo, é possível afirmar que o sistema de petições individuais foi instituído de maneira obrigatória pela CADH, de sorte que o Estado, ao aderir o Pacto, já anui com a competência da Comissão IDH para receber essas comunicações.

Em suma, a Comissão IDH tem competência para analisar petições particulares e estatais (cláusula facultativa – é necessário que o Estado reconheça expressamente a competência da Comissão para analisar essas petições.). Assim, tanto particulares quanto Estados podem apresentar petições à Comissão IDH informando a violação de direitos humanos de outros Estados.

Processo perante a comissão

O processo perante a Comissão IDH apresenta seis fases: a) admissibilidade, b) informações, c) exame, d) tentativa de conciliação, e) primeiro informe e, por fim, f) segundo informe.

a) Provocação e condições de admissibilidade – A Comissão IDH é provocada por meio de uma petição escrita, que pode ser de autoria da própria vítima, de terceiros (incluindo as organizações não governamentais) ou, ainda, de outros Estados. Também é possível que a Comissão aja de ofício. Conforme dispõe o art. 24 do Regulamento da Comissão IDH, a “Comissão poderá, motu proprio, iniciar a tramitação de uma petição que reúna, a seu juízo, os requisitos para tal fim”.

Para que petições ou comunicações sejam admitidas pela Comissão IDH, elas devem observar as condições de admissibilidade previstas no art. 46 da CADH, notadamente:

esgotamento dos recursos locais; ausência do decurso do prazo de seis meses, contados do esgotamento dos recursos internos, para apresentação da petição; ausência de litispendência internacional; qualificação do peticionário e, por fim, e ausência de coisa julgada internacional.

Ainda que o artigo 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos não refira expressamente a ausência de coisa julgada internacional, mencionado apenas a ausência de litispendência, o Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos alarga a admissibilidade incluindo a barreira da coisa julgada internacional.

Vejamos:

Artigo 33. Duplicação de processos

1. A Comissão não considerará uma petição nos casos em que a respectiva matéria:
a. encontre-se pendente de outro processo de solução perante organização internacional governamental de que seja parte o Estado aludido; ou
b. constitua substancialmente a reprodução de uma petição pendente ou já examinada e resolvida pela Comissão ou por outro organismo internacional governamental de que faça parte o Estado aludido.

2. Contudo, a Comissão não abster-se-á de examinar as petições a que se refere o
parágrafo 1, quando:
a. o procedimento seguido perante o outro organismo se limitar ao exame geral dos direitos humanos no Estado aludido e não existir uma decisão sobre os fatos específicos que forem objeto da petição ou não conduzir à sua efetiva solução;
b. o peticionário perante a Comissão for a presumida vítima da violação, ou algum familiar seu, e o peticionário perante o outro organismo for uma terceira pessoa ou uma entidade não-governamental, sem mandato dos primeiros.

Nesse sentido leciona André de Carvalho Ramos (Curso de Direitos Humanos, 2018,
página 471, e-book):

“13.2. A COMISSÃO IDH E O TRÂMITE DAS PETIÇÕES INDIVIDUAIS
13.2.1. Provocação e condições de admissibilidade
A Comissão é provocada por meio de uma petição escrita, que pode ser de (i) autoria da
própria vítima, (ii) de terceiros, incluindo as organizações não governamentais
(demandas individuais), ou ainda (iii) oriunda de outro Estado (demandas interestatais,
de impacto reduzido – até hoje, apenas 2 casos na comissão). Também a (iv) Comissão
pode agir de ofício. Em sua petição internacional, o representante deve apontar os fatos
que comprovem a violação de direitos humanos denunciada, assinalando, se possível, o
nome da vítima e de qualquer autoridade que tenha tido conhecimento da situação.

As condições de admissibilidade da petição individual à Comissão IDH são as
seguintes:
i) o esgotamento dos recursos locais;
ii) ausência do decurso do prazo de seis meses, contados do esgotamento dos
recursos internos, para a apresentação da petição;
iii) ausência de litispendência internacional, o que impede o uso simultâneo de dois
mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos; e
iv) ausência de coisa julgada internacional, o que impede o uso sucessivo de dois
mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos”.

Muito importante!

A despeito dos requisitos mencionados, há casos em que eles podem ser superados, especialmente com a dispensa da necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos. Isso porque o art. 46, item 2, da CADH assevera que o requisito do esgotamento dos recursos internos não é aplicável aos casos em que:

a. não existir, na legislação interna do Estado de que se tratar, o devido processo legal para a proteção do direito ou direitos que se alegue tenham sido violados;

b. não se houver permitido ao presumido prejudicado em seus direitos o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los; e

c. houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos. (Grifos nossos.)

Nesse esteio, a doutrina sistematiza as hipóteses de dispensa da seguinte forma (RAMOS, 2017, p. 390):

  • se não existir o devido processo legal para a proteção do direito violado;
  • se não se houver permitido à vítima o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou houver sido ele impedido de esgotá-los;
  • se houver demora injustificada na decisão sobre os mencionados recursos;
  • se o recurso disponível for inidôneo;
  • se o recurso for inútil;
  • se faltam defensores ou há barreiras ao acesso à justiça.

Assim, sobre o prévio esgotamento na Comissão, há algumas exceções, interpretadas de forma ampla pela Corte (art. 46, item 2): quando inexistem recursos internos; quando existem, mas não estão à disposição da vítima; ou quando esses recursos demoram muito.

Muito importante!

Princípio do estoppel (non venire contra factum proprium): vedação de atos contraditórios. A Corte Interamericana diz que o Estado deve suscitar a exceção de não esgotamento dos recursos internos perante a Comissão IDH. Se ele não invocar essa exceção, não mais poderá alegar perante a Corte. O ônus de provar que existe algum remédio que não foi utilizado internamente é do Estado acusado.

b) Informações: a Comissão pede informações ao Estado acusado e, examinando-as, pode arquivar ou aceitar eventual pedido.

c) Exame: a Comissão procede a um exame da petição particular ou estatal.

d) Conciliação perante a Comissão: a Corte tem obrigação de realizar a tentativa. Se houver conciliação, ela elabora relatório simples, dizendo quais foram os fatos e o acordo firmado.

Passada a fase da admissibilidade da petição, inicia-se a fase conciliatória da Comissão, na qual o órgão pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos na CADH.

Melhor detalhando a atuação da Comissão IDH, vale mencionar a maneira de proceder do órgão, conforme disciplina do art. 48, item 1, da CADH:

a. se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação, solicitará informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso;

b. recebidas as informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação. No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente;

c. poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou comunicação, com base em informação ou prova supervenientes;

d. se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados lhes proporcionarão todas as facilidades necessárias;

e. poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá, se isso lhe for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os interessados; e

f. pôr-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos humanos reconhecidos nesta Convenção. (Grifos nossos.)

Se se houver chegado a uma solução amistosa, a Comissão redigirá um relatório (contendo uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada) que será encaminhado ao peticionário e aos Estados Partes da Convenção e, posteriormente, transmitido, para sua publicação, ao Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos.

e) Fase do primeiro informe (Relatório 50): Não havendo conciliação, depois do exame, a Comissão IDH edita o primeiro informe, que é encaminhado de maneira reservada ao Estado. Nele, a Comissão afirma se houve violação ou não aos direitos da Convenção ou da Declaração. É chamado de Relatório 50 por ser previsto no art. 50 da CADH.

Em outras palavras, no caso de constatação de violação de direitos humanos, a Comissão elabora o chamado primeiro informe (ou primeiro relatório), encaminhando-o ao Estado infrator. Cabe ao Estado cumprir as recomendações e proposições desse primeiro relatório, que é confidencial e restrito às partes. Se, em até três meses após a remessa ao Estado do relatório da Comissão, o caso não tiver sido solucionado, poderá ser submetido à Corte se o Estado infrator houver reconhecido sua jurisdição obrigatória e se a Comissão entender tal ação conveniente para a proteção dos direitos humanos no caso concreto (RAMOS, 2017, p. 393).

Se no prazo de três meses, a partir da remessa aos Estados interessados do relatório da Comissão, o assunto não houver sido solucionado ou submetido à decisão da Corte pela Comissão ou pelo Estado interessado, deve a Comissão elaborar um segundo informe.

f) Fase do segundo informe (Vinculante): O procedimento na Comissão é chamado de procedimento dos dois informes, pois o procedimento, de acordo com a descrição convencional, quase sempre vai culminar na edição de dois informes. Depois que a Comissão edita o primeiro informe, ela aguarda três meses, e, se dentro desse prazo a questão não for resolvida ou submetida à Corte, a Comissão edita o segundo informe, que é público.

Nos primeiros precedentes da Corte Interamericana, o segundo informe era tido com natureza apenas de recomendação. Contudo, em precedentes recentes, a Corte tem dito que os Estados devem dedicar seus melhores esforços para cumprir o segundo informe, deixando entrever, assim, certa eficácia vinculante ao segundo informe.

Conforme art. 47 do Regulamento da Comissão IDH:

Se, no prazo de três meses da transmissão do relatório preliminar ao Estado de que se trate, o assunto não houver sido solucionado ou, no caso dos Estados que tenham aceito a jurisdição da Corte Interamericana, a Comissão ou o próprio Estado não hajam submetido o assunto à sua decisão, a Comissão poderá emitir, por maioria absoluta de votos, um relatório definitivo que contenha o seu parecer e suas conclusões finais e recomendações. (Grifos nossos.)

Assim, esse segundo informe é público e só é elaborado na ausência de ação judicial perante a Corte IDH. Ele também contempla recomendações ao Estado violador, com prazo para que as medidas requeridas sejam efetuadas. Transcorrido esse prazo, a Comissão agrega a informação sobre o cumprimento das medidas requeridas, publicando, então, o segundo informe. Caso descumprido o segundo informe, a Comissão IDH encaminha seu relatório anual à Assembleia Geral da OEA, fazendo dela constar as deliberações não cumpridas pelos Estados para que a OEA adote medidas para convencer o Estado a restaurar os direitos protegidos (RAMOS, 2017, p. 394).

Medidas cautelares da Comissão

Conquanto a Convenção Americana não faça menção expressa sobre as medidas cautelares, o art. 25 do Regulamento da Comissão IDH permite a adoção de medidas cautelares, inclusive por iniciativa própria, nos casos de risco de dano irreparável ou situações de extrema gravidade.

Vale conferir a redação do art. 25, itens 1 e 2, do Regulamento:

1. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo relativo a uma petição ou caso pendente. 2. Em situações de gravidade e urgência a Comissão poderá, por iniciativa própria ou a pedido da parte, solicitar que um Estado adote medidas cautelares para prevenir danos irreparáveis a pessoas que se encontrem sob sua jurisdição, independentemente de qualquer petição ou caso pendente.

As medidas cautelares podem, inclusive, ostentar natureza coletiva, quando se destinarem a prevenir um dano irreparável às pessoas em virtude do seu vínculo com uma organização, grupo ou comunidade de pessoas determinadas ou determináveis (art. 25, item 3, do Regulamento da Comissão IDH).