As crianças e a conta do mês
Braulio Tavares
Eu nunca soube quanto meu pai ganhava desalário, nunca soube quanto era o aluguel que elepagava antes de comprar a casa própria. Na minhacasa, havia umas noites em que meu pai e minha mãesentavam à mesa da sala, após o jantar, e em vez dascartas de “crapô” (um jogo de baralho que era ogrande passatempo da família) espalhavam sobre elaas contas do mês. E começava aquela ladainha desempre. “Pagamos esta, deixamos esta outraesperando...” As contas são sempre mais do que oque a gente tem no momento, então é preciso fazeresse malabarismo, melhor deixar que todas atrasemum pouquinho do que deixar uma delas atrasardemais.
O detalhe é que quando a gente seaproximava para acompanhar eles diziam: “Vábrincar, papai e mamãe estão cuidando de coisassérias” – não eram essas as palavras, mas era aintenção. Hoje, já tendo passado pelo penosoprocesso de acompanhar os filhos na entrada da idadeadulta, fico me perguntando se não seria melhorpuxar as crianças desde cedo para dentro desseprocesso. Crianças só ficam sabendo dessas coisasquando o problema se tornou grande, quando os paisjá estão se descabelando, batendo boca, irritados:“Mas não é possível, dois meses de atraso no colégio,os meninos estão sendo cobrados na frente da classetoda!”
Seria interessante dar uma ideia, desde cedo,de como a casa é administrada. Crianças sentem, comrazão, que têm direito àquilo tudo: casa, comida,brinquedo, tudo o mais. O.k., não precisam devolveruma parte da mesada. Mas, seria bom que tivessemideia de quanto custa aquela estrutura toda à suavolta. Crianças parecem pensar que os pais têm um suprimento inesgotável de dinheiro e quando negamalguma coisa é por sovinice ou má vontade. Opagamento das contas da casa é um processototalmente invisível aos olhos dos filhos. Ninguémsabe nada, porque não é com eles. Com eles é pedir odinheiro do cinema, do ônibus, do lanche, um direitoseu.
Penso hoje, que se eu tivesse participado maisdaqueles serões na mesa da sala, percebendo aproporção dos ganhos e dos gastos, isso teria meajudado a administrar melhor minhas várias casas,depois que virei adulto. Não custa muito. É umaespécie de dever de casa que se faz uma vez por mês,não mais do que isso, mas pode ajudar a gente adeixar mais nítidas em todas as ideias e a convicçãoemocional de que “estamos todos no mesmo barco”.
Fonte: Disponível em: http://goo.gl/vG4m9x
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- B Ao lado das.
- C Depois das.
- D No lugar das.