Questão 4 Comentada - Prefeitura Municipal de Lins - Professor de Educação Física - VUNESP (2024)

          No começo de novembro de 1985, um estudante brasileiro de pós-graduação na prestigiosa Universidade de Yale e um escritor português de fama crescente, mas ainda muito longe do ícone literário que acabaria por se tornar, passaram algumas horas agradáveis em uma conversa-entrevista na ilha de Manhattan. Havia apenas nove anos que o escritor lusitano tinha começado sua carreira temporã e, naquele dia frio do outono nova-iorquino, já com 63 anos, ele começava a enveredar por um caminho de reconhecimento internacional e ficou encantado com o interesse do jovem pesquisador brasileiro, de apenas 30 anos, em sua obra emergente. Trinta e sete anos depois, aquele encontro entre José Saramago, que 13 anos mais tarde ganharia o Nobel de Literatura, e o poeta, tradutor e professor da Universidade de São Paulo (USP) Horácio Costa finalmente virou livro.


          Mas por que a entrevista demorou tanto a ser publicada? A explicação é do próprio Costa, em sua apresentação: “Porque esteve perdida entre muitas caixas de papéis e livros que vieram do México, quando regressei ao Brasil em 1997 e 2001, nas duas mudanças que trouxe de lá por via marítima”, explica ele, que viveu cerca de duas décadas no México. E havia mais duas explicações adicionais. A primeira: Horácio Costa não queria publicar a entrevista antes de finalizar sua tese. A outra, mais prosaica: ele acreditava piamente que as duas fitas cassetes com a entrevista saramaguiana tinham se perdido para sempre em meio a tantas mudanças. Até que em 2020, durante a pandemia, numa velha caixa preta de sapatos, encontrou as tais fitas.


       “Esse diálogo assimétrico entre um pós-graduando, obviamente feliz com a perspectiva de estudo que descortinava, e um escritor tardio que se confessava surpreso com a sua recente ascensão ao teatro internacional da literatura é possivelmente, e para lá dos conteúdos nele desenvolvidos, o que de mais característico têm essas páginas”, afirma Costa em sua apresentação.


        Ao longo de toda a conversa, José Saramago vai revelando suas influências, a composição de seu estilo, a forma de elaborar seus livros – uma ourivesaria que só se faria sofisticar pelos anos seguintes.



(Marcello Rollemberg. Quando Saramago se preparava para ser Saramago.
https://jornal.usp.br, 18.11.2022. Adaptado)


Assinale a alternativa em que é possível suprimir uma das vírgulas do trecho, preservando a norma-padrão de emprego de pontuação.

  • A … ele começava a enveredar por um caminho de reconhecimento internacional e ficou encantado com o interesse do jovem pesquisador brasileiro, de apenas 30 anos, em sua obra emergente. (1º parágrafo)
  • B A explicação é do próprio Costa, em sua apresentação: “Porque esteve perdida entre muitas caixas de papéis e livros que vieram do México, quando regressei ao Brasil em 1997 e 2001… (2º parágrafo)
  • C “Esse diálogo assimétrico entre um pós-graduando, obviamente feliz com a perspectiva de estudo que descortinava, e um escritor tardio que se confessava surpreso com a sua recente ascensão ao teatro internacional da literatura… (3º parágrafo)
  • D Ao longo de toda a conversa, José Saramago vai revelando suas influências, a composição de seu estilo, a forma de elaborar seus livros… (4º parágrafo)

Gabarito comentado da Questão 4 - Prefeitura Municipal de Lins - Professor de Educação Física - VUNESP (2024)

Esta questão de Língua Portuguesa, típica de bancas como a VUNESP, aborda um tópico fundamental e que gera muitas dúvidas: o uso da vírgula. Para dominá-lo, é crucial ir além da memorização de regras e compreender a função sintática dos termos na oração. O objetivo da questão é identificar o trecho em que uma das vírgulas é facultativa, ou seja, pode ser suprimida sem violar a norma-padrão de pontuação.

Vamos analisar cada alternativa:

Alternativa A:

"...ele começava a enveredar por um caminho de reconhecimento internacional e ficou encantado com o interesse do jovem pesquisador brasileiro, de apenas 30 anos, em sua obra emergente." (1º parágrafo)

Neste trecho, a expressão "de apenas 30 anos" funciona como um aposto explicativo (ou uma oração adjetiva explicativa reduzida) referente a "jovem pesquisador brasileiro". O aposto explicativo adiciona uma informação acessória e detalhada sobre o termo que o antecede, sem restringir o seu sentido. Para isolar esses elementos acessórios, as vírgulas são obrigatórias. A supressão de uma delas alteraria a clareza da frase e a tornaria gramaticalmente incorreta, pois a informação seria lida como restritiva.

Alternativa B (Correta):

"A explicação é do próprio Costa, em sua apresentação: 'Porque esteve perdida entre muitas caixas de papéis e livros que vieram do México, quando regressei ao Brasil em 1997 e 2001...'" (2º parágrafo)

Aqui, temos uma oração subordinada adverbial temporal ("quando regressei ao Brasil em 1997 e 2001"). Quando uma oração subordinada adverbial é colocada depois da oração principal (posição posposta), o uso da vírgula para separá-la é facultativo, especialmente se a oração não for excessivamente longa e não gerar ambiguidade. A vírgula antes de "quando" serve para indicar essa separação, mas a norma-padrão permite sua ausência nesse contexto.

Alternativa C:

"“Esse diálogo assimétrico entre um pós-graduando, obviamente feliz com a perspectiva de estudo que descortinava, e um escritor tardio que se confessava surpreso com a sua recente ascensão ao teatro internacional da literatura..." (3º parágrafo)

A expressão "obviamente feliz com a perspectiva de estudo que descortinava" é um elemento intercalado (uma expressão adverbial de modo, ou uma oração adjetiva com valor explicativo reduzida) que especifica o estado do "pós-graduando". Quando um termo ou uma oração é inserido entre elementos que teriam uma ligação sintática direta (neste caso, entre "pós-graduando" e o restante da estrutura), ele deve ser obrigatoriamente isolado por vírgulas. A supressão de qualquer uma dessas vírgulas comprometeria a fluidez e a correção sintática da frase.

Alternativa D:

"Ao longo de toda a conversa, José Saramago vai revelando suas influências, a composição de seu estilo, a forma de elaborar seus livros..." (4º parágrafo)

A primeira vírgula, após "Ao longo de toda a conversa", é obrigatória porque se trata de um adjunto adverbial de tempo deslocado para o início da oração. Adjuntos adverbiais longos (geralmente com três ou mais palavras) quando vêm antes do sujeito e do verbo exigem a vírgula.

As vírgulas seguintes ("suas influências, a composição de seu estilo, a forma de elaborar seus livros") são também obrigatórias, pois separam os itens de uma enumeração (neste caso, os objetos diretos do verbo "vai revelando"). Em listas, as vírgulas são essenciais para indicar a separação entre os elementos.

Conclusão:

A alternativa correta é a B, pois a vírgula que separa uma oração subordinada adverbial posposta (colocada depois da principal) é facultativa. É fundamental que vocês, como professores, entendam que a pontuação não é apenas uma questão de "pausas para respirar", mas sim um sistema que organiza a sintaxe da frase e garante a clareza e o sentido do texto. Dominar a vírgula exige prática e uma sólida compreensão da estrutura gramatical.