Atualmente, temos um sistema de direitos humanos global e alguns sistemas regionais. Dentro do sistema global, há o sistema global geral, formado pela Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, e pelos Pactos de Nova Iorque, de 1966 (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). Esses três documentos formam o sistema global geral, também chamado de Carta Internacional dos Direitos Humanos.
Ao lado desse sistema global, começou-se a formação de um sistema global especial, que tem como objeto de proteção os seres humanos em condições especiais de vulnerabilidade.
O Sistema Global Especial foi construído no contexto do fenômeno denominado por Norberto Bobbio de multiplicação dos direitos. Bobbio fala (muitas das referências aqui feitas a Bobbio estão no livro A Era dos Direitos) que essa multiplicação dos direitos foi um fenômeno que se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e tem relação com o reconhecimento de novos direitos a novas categorias dignas de tutela. Os direitos humanos são históricos, ou seja, não são dados, mas construídos e inexauríveis, de modo que sempre podem surgir novos direitos. Nessa toada, repise-se, após a Segunda Guerra Mundial veio a multiplicação de direitos protetivos da pessoa humana, culminando na construção do sistema global especial. É possível, também, examinar a construção do sistema global especial a partir do fenômeno da especialização dos direitos – enquanto o sistema global trata o homem em geral, sem nenhuma especificidade, o sistema global especial busca tratar os seres humanos de acordo com suas peculiaridades, pessoas em situação de especial vulnerabilidade, como crianças, mulheres, pessoas com deficiência, idosos etc.
Além disso, podemos examinar a construção do sistema global especial, como faz Flávia Piovesan, a partir de três vertentes de igualdade:
(a) Igualdade formal: protegida desde a Revolução Francesa, significando que todos são iguais perante a lei;
(b) Igualdade material para justiça social e distributiva: é a máxima que vem de Aristóteles, divulgada por Rui Barbosa, que afirma que devemos tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade. Por isso, busca-se proteger pessoas em situação de dificuldade, desvantagem social ou econômica. A igualdade material significa olhar para as pessoas de acordo com as suas desigualdades no plano fático, no plano da realidade, para que, por meio de normas jurídicas, essa desigualdade seja compensada na medida do possível.
(c) Igualdade material para reconhecimento de identidade: logo após a Segunda Guerra Mundial, havia uma preocupação em não se diferenciar as pessoas, uma vez que a ideia de diferenciação estava na base do terror nazista (o nazismo entendia que existia uma categoria de pessoas superior e várias categorias de pessoas inferiores). Isso gerou uma espécie de trauma, deixando a questão das desigualdades e identidades das pessoas de lado por algum tempo.
No sistema especial, há uma ênfase na igualdade material para se reconhecer as diferenças das pessoas e respeitá-las. O sistema global especial, de acordo com Flávia Piovesan, enfatiza, portanto, a terceira vertente da igualdade.
No sistema global geral há normas que tutelam tanto a igualdade material, quanto a formal para justiça social e distributiva. Na segunda vertente, tem-se, por exemplo, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Contudo, é no sistema global especial que se tem a ênfase da igualdade material para reconhecimento de identidade, para se reconhecer que existem pessoas com certas vulnerabilidades culturais, políticas etc. e que devem ser objeto de proteção e tutela especiais do direito internacional dos direitos humanos.
Por essa razão, muitas normas do sistema global especial preveem ações afirmativas, constantes nas convenções. Para os estudiosos dos direitos humanos, essas ações afirmativas não violam o princípio da igualdade, mas o realizam e reforçam-no, visto que ele tem duas dimensões:
(i) Dimensão negativa: veda a discriminação negativa, ou seja, as pessoas não devem ser objeto de discriminações que reduzam sua dignidade, discriminações odiosas, injustas (essa dimensão é chamada por alguns autores de discrimination against – vedação da discriminação negativa).
(ii) Dimensão positiva: impõe a discriminação positiva (chamada pela doutrina de discrimination between), ou seja, algumas vezes, o princípio da igualdade impõe que certas pessoas sejam tratadas desigualmente, para que possam ser igualadas com as demais. Podemos, assim, examinar a construção do sistema global especial a partir desse contexto da multiplicação dos direitos, da especialização dos direitos e do princípio da igualdade.