Para responder à questão, leia o seguinte texto, em que a autora, colunista de gastronomia, recorda cenas de sua infância:
Uma tia-avó
Fico abismada de ver de quanta coisa não me lembro. Aliás, não me lembro de nada.
Por exemplo, as férias em que eu ia para uma cidade do interior de Minas, acho que nem cidade era, era uma rua, e passava por Belo Horizonte, onde tinha uma tia-avó.
Não poderia repetir o rosto dela, sei que muito magra, vestido até o chão, fantasma em cinzentos, levemente muda, deslizando por corredores de portas muito altas.
O clima da casa era de passado embrulhado em papel de seda amarfanhado, e posto no canto para que não se atrevesse a voltar à tona. Nem um riso, um barulho de copos tinindo. Quem estava ali sabia que quanto menos se mexesse menor o perigo de sofrer. Afinal o mundo era um vale de lágrimas.
A casa dava para a rua, não tinha jardim, a não ser que você se aventurasse a subir uma escada de cimento, lateral, que te levava aos jardins suspensos da Babilônia.
Nem precisava ser sensível para sentir a secura, a geometria esturricada dos canteiros sob o céu de anil de Minas. Nada, nem uma flor, só coisas que espetavam e buxinhos com formatos rígidos e duras palmas e os urubus rodando alto, em cima, esperando… O quê? Segredos enterrados, medo, sentia eu destrambelhando escada abaixo.
Na sala, uma cristaleira antiga com um cacho enorme de uvas enroladas em papel brilhante azul.
Para mim, pareciam uvas de chocolate, recheadas de bebida, mas não tinha coragem de pedir, estavam lá ano após ano, intocadas. A avó, baixinho, permitia, “Quer, pode pegar”, com voz neutra, mas eu declinava, doida de desejo.
Das comidas comuns da casa, não me lembro de uma couvinha que fosse, não me lembro de empregadas, cozinheiras, sala de jantar, nada.
Enfim, Belo Horizonte para mim era uma terra triste, de mulheres desesperadas e mudas enterradas no tempo, chocolates sedutores e proibidos. Só valia como passagem para a roça brilhante de sol que me esperava.
Nina Horta, Folha de S. Paulo, 17/07/2013. Adaptado.
Dentre as reminiscências da autora, há algumas que têm um caráter negativo ou desagradável, e outras, um caráter positivo ou agradável. Essa oposição distingue o que está descrito nos dois trechos citados em:
- A “fantasma em cinzento”; “geometria esturricada”.
- B “vale de lágrimas”; “buxinhos com formato rígido e duras palmas”.
- C “passado embrulhado em papel de seda amarfanhado”; “uvas de chocolate”.
- D “urubus rodando alto”; “segredos enterrados”.
- E “jardins suspensos da Babilônia”; “cacho enorme de uvas enroladas em papel brilhante azul”.